Restaurar os Campi
Artigo de Opinião – Ivo Oliveira
Professor EAAD & Investigador Lab2PT
Escola de Arquitetura, Arte e Design da Universidade do Minho
Laboratório de Paisagens, Património e Território
Os compromissos assumidos no âmbito do Pacto Ecológico Europeu e da recentemente aprovada Lei do Restauro da Natureza estão em jogo nas próximas eleições europeias. O crescente sucesso dos que falam em farsa científica, exige dos espaços de ensino e investigação, das universidades, um comprometimento com as evidências e com as respostas. A descarbonização na indústria, na mobilidade e na energia e a proteção dos solos e do habitat são prioridades inabaláveis.
Na Universidade do Minho somos muitos os que estudam outras formas de construir, de nos deslocarmos e de vivermos em comunidade, entre nós e entre todas as outras espécies. Os nossos laboratórios são responsáveis por surpreendentes inovações, low e hitgh tech, que devem ser partilhadas e experienciadas no nosso quotidiano.
Vicissitudes do tempo colocaram os dois Campi da UM, o de Braga e o de Guimarães, do lado oposto das principais infraestruturas ferroviárias e rodoviárias. Diariamente contornamos a cidade, e assim continuará a ser para aceder à alta velocidade. De momento, nenhuma visão do futuro revela uma possibilidade de aproximação.
As novas infraestruturas valorizam o solo, atraem as atividades de alto rendimento e repulsam os restantes atores públicos ou privados em direção a lugares com solo mais abundante e económico, por norma carente de infraestruturas e periférico. Mantêm-se processos de dispersão que no Minho nunca foram anomalia, mas sim herança original. No Minho a abundância de água e solo fértil, as muitas paróquias e freguesias, a divisão da propriedade e um tecido industrial dinâmico suportam continuados processos de dispersão urbana. O território já era assim, disperso, antes da chegada da Universidade e antes das grandes infraestruturas, hoje constatamos que também ela está mais dispersa, com novos polos em novos municípios. A Universidade passou a ser vista como a chave para novas centralidades e para uma aproximação a outras comunidades e tornou-se indutora de novos processos de dispersão urbana. Para os que cá andam, as infraestruturas cinzentas são cada vez mais a casa, revelam-se inalcançáveis as soluções urbanas que em outros lugares são futuros.
Estamos comprometidos com o Pacto Ecológico Europeu e queremos abraçar o desejo expresso por Braga e Guimarães de virem a ser Capital Verde Europeia 2026, inclua-se os Campi nessa transformação. Os Campi têm um edificado frágil que se articula por um conjunto de espaços ricos na superfície, mas pobres nos usos e nas espécies que acolhem, entregamos a abundante superfície ao automóvel e até hoje não foi possível escolher.
O Pacto Ecológico, a Lei do Restauro e a Capital Verde são pretextos suficientes para mudar, para iniciarmos uma aproximação ao solo, à flora e à fauna e aos seus ritmos. Esta aproximação é urgente! Pelo planeta, pela qualidade do ambiente construído, pela nossa vida em comum, pelos que cá ficam. Com ela os campi tornar-se-ão lugares de uma maravilhosa promiscuidade entre o espaço edificado e o espaço livre, entre a nossa espécie e as outras espécies. Neles vamos poder ensinar ao ar livre, cozinhar e partilhar uma refeição, dormir na sombra de uma árvore ou caminhar pés descalços ao longo de um riacho.
É perante este sonho que passamos a estar disponíveis para deixar o carro, primeiro do lado de lá da cancela, depois do lado de lá da cidade e mais tarde à porta das nossas casas. Num futuro que se deseja breve alguns vão deixar de ter carros, e muitos vão reservar o carro para momentos especiais de evasão em família, de deambulação por antigas nacionais reveladoras das belas formas do território.
Para que, juntamente com os Campi a Universidade possa ser a nossa casa comum temos de avançar ao lado municípios que nos acolheram e que desejam ser Capital Verde. Com eles, os transportes públicos serão tendencialmente gratuitos, aumentará o seu número de utilizadores, tornar-se-ão frequentes, passarão ao lado das nossas casas ou aguardarão por nós do outro lado da cidade, em espaços intermodais, nos quais a vida flui de forma simples. Vamos recorrer a novas aplicações e a soluções de geolocalização e interação que nos aproximam, com elas vamos descobrir a cada instante uma possibilidade de deslocação partilhada e suave, é assim que vamos aproximar os que diariamente chegam dos Arcos, Barcelos, Esposende, Fafe, Famalicão, Valença, Viana e de tantos outros lugares. A possibilidade de partilha aproximar-nos-á, fará frente a soluções individuais e no final proporcionará novos sonhos, por exemplo, o de habitar próximo à universidade e de aceder a um quotidiano que se faz caminhando.
Perante esta nova realidade o investimento infraestrutural tornar-se-á distinto, estará mais orientado para a reinvenção do que existe do que para a produção de novos dispositivos consumidores de solo. A infraestrutura cinzenta cede lugar a uma infraestrutura verde e o consumo de solo à consideração do seu vital contributo para a nossa vida em comum. Neste processo a abundante superfície dos Campi pode ser indutora de mudança. Relembrem-se os princípios que em 2019 constavam do Estudo Prévio do Plano de Desenvolvimento Integrado do Campus de Azurém, elaborado no Centro de Estudos da Escola de Arquitetura, Arte e Design. Considere-se o recente envolvimento da Escola no projeto de investigação Green Gap, com o qual se procura impulsionar a infraestrutura verde local no restauro da biodiversidade, na renaturalização e no planeamento.
No contexto de uma infraestrutura verde, os Campi vão transitar de espaço dominado pelo uso automóvel para um espaço de usos múltiplos. Um espaço indutor de uma vida ao ar livre e em comunidade no qual a coexistência com o automóvel pode ser considerada desde que bem ponderada. Aos Campi corresponderá um espaço cujo valor ambiental e ecológico obrigará à sua plena consideração nos documentos que os municípios estão a produzir no âmbito das suas candidaturas a Capital Verde, tornar-se-ão componente de uma infraestrutura que reforça a conetividade entre espaços com especial valor ecológico e social, mas também de elevado potencial na reestruturação urbana. Deixaremos de ver os campi como lugares que ficaram do lado oposto das grandes infraestruturas, passarão a ser lugares centrais de uma infraestrutura verde que em Guimarães articula a Ribeira da Costa e o Rio Selho e em Braga o Rio Este e o Parque das Sete Fontes. Uma infraestrutura cuja multifuncionalidade poderá incluir possibilidades suaves de mobilidade, permitindo-nos, um dia, caminhar em direção aos Campi acompanhando uma linha de água e a flora e fauna que nela se instalou. Tornar-nos-emos menos artificiais, redescobriremos novas possibilidades de coexistência e assim participamos no restauro da natureza.