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A Paris que eu vejo – Crónica de um aluno Erasmus







Os japas seguem seu caminho e então consigo ver crianças brincando com pequenos barcos de madeiras no lago em volta da fonte. A técnica é simples: colocar o barquinho na água, empurrar com um pedaço de pau e correr em volta da fonte acompanhando o percurso da miniatura, enquanto se solta estridentes gargalhadas. Aquelas crianças poderiam estar de frente para um aparelho eletrônico qualquer de última geração, mas preferem o jardim e os barquinhos. E eu prefiro vê-las brincando a ver japoneses tirando fotos sem nem parar para observar à olho nu o que estão registrando.  

 

Agora caminho pelo Champ de Mars, um vasto campo gramado que conduz até o pé da Torre Eiffel. Ali, centenas de crianças, acompanhadas por auxiliares escolares, lancham tranqüilas e sorriem com sinceridade. Os mais ativos pegam os sanduíches dos tímidos e saem correndo, só para perturbar – eu fazia isso. As meninas sentam juntas e não dão vez aos gaiatos, que fazem poses esdrúxulas e caretas para as fotos. O certo é que nenhum deles dá bola para o fato de logo adiante estar o monumento mais visitado do mundo. Turistas de todo canto cansam as pernas em filas intermináveis para subir na torre, sem perceber que a verdadeira beleza podia ser vista embaixo, e não de cima.

 


 

Continuo caminhando e chego ao Trocadêro, de onde posso ver a Eiffel por inteira, sem filas e sem prédios empresariais na frente. Um casal norueguês pede que eu faça uma foto sua com as filhas pequenas, a torre de pano de fundo. As meninas estão alegres e eu fotografo, mas elas querem sair logo dos braços dos pais. O objetivo é descer escorregando, quantas vezes for possível, uma rampa de menos de dois metros – o acesso para deficientes físicos – que vira parque de diversões.

 

Ao lado do Trocadêro está o Museu do Homem, uma viagem fabulosa pela evolução histórica do ser humano, do ponto de vista biológico, etnológico e social. Invisto um bom tempo ali dentro. As pequenas norueguesas não precisam disso. A evolução de suas histórias está apenas no início.

 

Já no Jardim de Tuileries, a 300 metros do excessivo acervo do Museu do Louvre, topo com aquilo que considero a maior obra-prima da humanidade: crianças jogando futebol sem compromisso. Alguns são bem brancos, uns algo árabes e outros muito negros. Os negros têm maior intimidade com a bola e controlam a pelota com mais destreza que os brancos. Esses ocupam o espaço de jogo de forma mais equilibrada. E assim, sem tática ou muitas regras, cada um com seus méritos, eles brincam com liberdade e fazem o jogo da bola em pé de igualdade. Oxalá descubram cedo a fraternidade.   

 






 

Faz algum tempo – mais de um ano -, escrevi numa dessas ladainhas uma idéia de plano para o futuro. Consistia em, diariamente, quando o sol começasse a baixar e o céu avermelhasse, ficar sentado num campo gramado na companhia de dois ou três grandes amigos e um grande amor. Naquele campo, várias crianças se reuniriam para jogar bola, empinar pipa, pular elástico, brincar de amarelinha, enfim, para fazer todo tipo de coisa que toda criança deveria fazer o tempo todo durante toda a infância. O problema é que ao final do campo existiria um enorme precipício, daqueles que não se vê o fundo e quem tenta olhar lá pra baixo, perde o prumo. Então eu ia ficar ali, só observando as crianças brincarem. Quando alguma, mais desatenta, se aproximasse do precipício, um dos “grandes” iria detê-la, dar um sopro no umbigo, uma mordida na bochecha e mandá-la de volta pra brincadeira. Pois, era o que eu ia fazer diariamente.

 

De um ano pra cá, andei muito, conheci pessoas e lugares. Assim, já encuquei com diversas outras possibilidades de plano para a vida futura. No entanto, em verdade, digo: poucas delas me dariam tanto prazer quanto aquela antiga idéia. E C`est fini.   

 

Texto e Fotografia: Victor Uchôa


 

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