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UMdicas: Entre um vasto e rico currículo como dirigente desportivo, é indicado como tendo sido responsável da adesão de Portugal à Federação Internacional de Desporto Escolar (FISEC) e à Federação Internacional do Desporto Universitário (FISU). Como surgiram estas oportunidades e qual a sua opinião sobre o percurso até à data?
Armando Rocha: Nesse tempo quem tinha a tutela do Desporto Universitário era a Mocidade Portuguesa. Eu tinha vindo de Coimbra para Lisboa logo a seguir à minha formatura, e fui nomeado – graciosamente, diga-se de passagem – sub-inspector do Desporto Universitário. Funcionavamos sob a tutela da Mocidade Portuguesa.
Quando surgiu o convite da FISU, e mais tarde da FISEC, fui designado pelo então Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa Prof. Gonçalo Rodrigues, para me deslocar a Dortmund e perceber o que era isso do movimento desportivo internacional. Fui entao em 1953 assistir aos Jogos Internacionais Universitarios da FISU e fiz um relatório que deu origem precisamente ao despacho de autorização de Portugal se filiar nesta Federação. Foi assim que tudo começou.
Após dois anos, nos Jogos Internacionais Universitarios em San Sebastian (Espanha), participamos com uma delegação de 40 atletas. Pedimos um autocarro ao então Ministro da Defesa Nacional, o General Santos Costa, um autocarro militar pois não tínhamos dinheiro para nos deslocar. Ele cedeu o autocarro e lá fomos para San Sebastian, mas logo em Venda de Galizes, junto a Oliveira do Hospital, o autocarro avariou. Fomos socorridos pelos bombeiros e tivemos de passar a noite nesta localidade.
Quando surgiu o convite da FISU, e mais tarde da FISEC, fui designado pelo então Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa Prof. Gonçalo Rodrigues, para me deslocar a Dortmund e perceber o que era isso do movimento desportivo internacional. Fui entao em 1953 assistir aos Jogos Internacionais Universitarios da FISU e fiz um relatório que deu origem precisamente ao despacho de autorização de Portugal se filiar nesta Federação. Foi assim que tudo começou.
Após dois anos, nos Jogos Internacionais Universitarios em San Sebastian (Espanha), participamos com uma delegação de 40 atletas. Pedimos um autocarro ao então Ministro da Defesa Nacional, o General Santos Costa, um autocarro militar pois não tínhamos dinheiro para nos deslocar. Ele cedeu o autocarro e lá fomos para San Sebastian, mas logo em Venda de Galizes, junto a Oliveira do Hospital, o autocarro avariou. Fomos socorridos pelos bombeiros e tivemos de passar a noite nesta localidade.
Entretanto veio outro autocarro, também das forças armadas, que nos conduziu a San Sebastian. Quando chegámos, o autocarro estava a fumegar, quase em fase de incêndio e as pessoas estavam quase todas com as mãos cheias de óleo pois foram várias as avarias pelo caminho? Enfim, uma autêntica odisseia. Mas foi assim que lá fomos e se estabeleceu um clima de franca camaradagem entre todos.
A entrada na FISEC foi semelhante, mas deu-se mais tarde. O desporto escolar estava também sob a alçada da Mocidade Portuguesa e através dum relatório meu, lá nos filiamos neste movimento. Posteriormente deixei de acompanhar as actividades relacionadas com a FISEC pois só tinha sob a minha alçada o Desporto Universitário.
UMdicas: Os jogos em San Sebastian que acabaram por ser conheciadas um pouco como a génese da Universíada…
A.R.: Eram já uma Universíada em ponto pequeno. As actuais Universíadas são um gigante comparado com inicialmente. Muito menos gente, não havia marcas como hoje há, embora eu me lembre que o Ademar Ferreira da Silva ter batido um recorde do Mundo ou da Europa, no triplo-salto precisamente com 16.66m.
UMdicas: Seguiu-se a Universíada de Turim, a primeira…
A.R.: Exacto, a primeira Universíada em Turim. Em 1957, em Paris, fizeram-se os últimos Jogos Internacionais Universitarios da FISU, já com os países do leste da UIE (União Internacional de Estudantes) integrados na competição. Em ’59, em Turim, realizou-se a primeira Universíada com todos os países do mundo que na altura tinham aderido à FISU. Foi assim que começou a sua longa história.
UMdicas: Foi recentemente destinguido na 1ª Gala de Desporto Universitário da FADU, como tem visto a evolução do desporto universitário nacional em Portugal?
A.R.: Acompanhei muito de perto o Desporto Universitário desde desse tempo de ’52-53 até ’73-74 porque tinha responsabilidades até como Inspector Nacional do Desporto Universitário. A Inspecção do Desporto Universitário existia na Mocidade Portuguesa, na altura de ’62 houve uma crise académica e estavam-se a realizar precisamente os Campeonatos Nacionais Universitários em Coimbra quando essa crise estava em desenvolvimento. Na altura, não concordando com a situação, pedi a demissão do Desporto Universitário. Era o Ministro o Prof. Lopes de Almeida, de quem aliás eu era amigo e tinha muita consideração, mas nao concordei com determinadas coisas e pedi a demissão. Mas antes disso, nós sentiamos na Mocidade Portuguesa que o Desporto Universitário estava mal colocado lá. Fez-se um congresso da Mocidade Portuguesa em ’56 e o Eng.ª Vasco Pinto Magalhaes apresentamos teses sobre Desporto Universitário, em q defendemos a tese q o Desporto Universitário devia sair do ambito da Mocidade Portuguesa. Os estudantes estavam cada vez com mais força e não aceitavam a tutela da Mocidade Portuguesa e acabou-se por concluir desse modo. Defendemos essa tese e ela venceu no Congresso. E com base nas conclusões do Congresso, era Ministro o Prof. Leite Pinto, ele aceitou que se criasse uma Inspecção Nacional de Desporto Universitário informalmente, sem decreto, sem portaria … apenas um despacho dele em que me nomeou Inspector Nacional do Desporto Universitário, sempre graciosamente. Devo dizer que ele várias vezes falou que não era justo eu gastar o meu tempo e não ganhasse nada com aquilo. Eu era funcionário do Ministério das Comunicações e disse ao Sr. Ministro que não aceito qualquer pagamento porque tinha que lidar com estudantes e no dia em que soubessem que eu recebia salario, eles ja não olhavam para mim com a mesma cara ? eu preferia pobrete mas alegrete. E de facto nunca aceitei que fosse pago por isso.
Veio a crise de ’62 e a única relação que o Ministério tinha com as Associações de Estudantes (AE?s) era através do Desporto. O resto estava tudo com relações rompidas, nao havia diálogo, só lutas, lutas…. Eu cheguei a conseguir que o Ministro autorizasse o Dia do Estudante, uma velha revindicação das associações. Em Coimbra era sempre o dia 25 de Novembro (Tomada da Bastilha), só que não era oficial e passou a ser oficial. E aqui em Lisboa também consegui, sempre contra o parecer das autoridades académicas.
Veio a crise de ’62 e a única relação que o Ministério tinha com as Associações de Estudantes (AE?s) era através do Desporto. O resto estava tudo com relações rompidas, nao havia diálogo, só lutas, lutas…. Eu cheguei a conseguir que o Ministro autorizasse o Dia do Estudante, uma velha revindicação das associações. Em Coimbra era sempre o dia 25 de Novembro (Tomada da Bastilha), só que não era oficial e passou a ser oficial. E aqui em Lisboa também consegui, sempre contra o parecer das autoridades académicas.
A evolução do Desporto Universitário até ’63 conheço bem, evolui-se alguma coisa, fazia-se o que se podia com o pouco dinheiro que havia. Ainda hoje me recordo e tenho a documentação das contas todas ao tostão mas que não nos deixavam fazer muita coisa. Conseguimos uma medalha numa Universíada no Japão, precisamente a capital do Judo, através do Fernando Almada. Isto até que em ’73 saí da Direcção Geral do Desporto e da Inspecção Nacional do Desporto Universitário e em ’74 veio o 25 de Abril, eu fui saneado, um dos primeiros saneamentos que se verificou foi no Desporto Universitário, na medida em que eu tinha sido eleito na Universíada de Moscovo em ’73 membro do Comité Executivo da FISU mais uma vez e em ’74 com esse saneamento, e o Governo da altura tentaram junto da FISU – tenho comigo essa carta – que fosse afastado desses orgãos. Mas a eleição era nominal pelo que enquanto esse mandato docorria, eu não podia ser afastado. Essa atitude levou a própria FISU, os seus órgãos executivos, verem com maus olhos a minha substituição. O que é certo é que foram precisos 30 anos praticamente para que o Pedro Dias, e muito bem, fosse ocupar um lugar na FISU. Mas demorou 30 anos em resultado dessa atitude dos revolucionários de Abril.
Como digo, fui afastado e como nunca gostei de me impor, também me desliguei, salvo em relação às coisas internacionais pois enquanto o Nebiolo era vivo sempre me convidava às manifestações desportivas em Itália, mas nunca deixei de acompanhar de longe. É evidente que hoje quando vou assitir a uma Universíada e ja vou às últimas desde 1997, noto que tem havido um progresso enorme mas que é resultado do maior envolvimento financeiro no evento. Os atletas de hoje, não são os de antigamente. Na verdade, esse desenvolvimento tem-se notado além de que, no tempo em que estudava em Coimbra, eramos 3700 estudantes. Hojes são muitos mais. E o que se espalhou pelo país em Unversidades, transforma o Desporto Universitário em princípio uma máquina poderosíssima se bem aproveitada.
UMdicas: Acha que o desporto universitário tem acompanhado esse aumento?
A.R.: Sinceramente, não tenho conhecimento para poder fazer uma afirmação dessas. Nessas coisas gosto de ter números e vejo poucos números, a não ser designadamente da Universidade do Minho de quem vou recebendo documentação com alguma frequência, mas de resto não recebo nada nem tenho conhecimento, portanto sinceramente nao sei. Mas espero sinceramente que sim, que haja uma evolução francamente positiva.
UMdicas: Referenciou a crise dos estudantes e cada vez mais, hoje em dia, tem-se falado em Portugal sobre crises económicas e outras. Podia abordar de alguma forma, o paralelo entre as organizações de desporto no mundo e aquilo para qual a Administração Pública e o desporto em Portugal estao a caminhar.
A.R.: Conheci razoavelmente nos anos ’60 e ’70 os países de leste, e Cuba também. Porque fui eu que representei a FISU nos 1ºs Jogos Universitários Latino Americanos em Cuba em 1962, onde recolhi muita documentação. Nessa altura, acompanhei de perto e li que eram sociedades que não tinham nada a ver com as nossas sociedadas ocidentais.
Conheci bem o que se fazia no desporto universitário, que era uma obra notável – o desporto era obrigatorio nas unviersidades, algo que cheguei a propor cá ao Prof. Braga da Cruz nos anos ’50 e ele conseguiu que as Universidades tivessem um dia à tarde livre, que era à quarta-feira mas nunca as autoridades académicas conseguiram entender o que era o desporto universitário, portanto não ajudaram muito. As quartas-feiras à tarde era para o desporto mas isto funcionou em poucos locais.
E o Desporto Universitário era um parente pobre do Desporto, o Desporto Federado absorvia a atenção das pessoas, o estudante também não era muito virado para isso e as condições não eram muito famosas. A valer, só em 1956 é que o Estádio Universitário de Lisboa reuniu condições para a prática generalizada do Desporto. Na altura, havia a Agronomia que tinha um campo relvado, o Técnico que tinha uma piscina aquecida e um ginásio e pouco mais havia. Em Coimbra o Estádio Universitário é posterior ao de Lisboa e o campo de Santa Cruz era uma coisa pequena. E no Porto fez-se também o Estadio Universitário. Isto foi tudo realizado no meu tempo, inclusivé consegui meter isto no Plano de Fomento por exemplo a construção do Centro de Medicina Escolar que veio a ser o Centro de Medicina Desportiva.
Em ’73, para todo o Desporto Nacional, o estado dava 68 mil contos, hoje o equivalente a 2 milhoes de euros.
UMdicas: Fazendo ligação às datas que referiu, fale-me da nossa crise no desporto universitário em 1968?
A.R.: Na verdade eramos candidatos e a candidatura foi aceite para 1969. Fizeram-se inclusivé obras em Cascais e as piscinas do Restelo, os buracos do Restelo – há um dossie completo sobre a Universíada. A Comissão Organizadora dessa candidatura era uma coisa que hoje me impressiona como consegui trazer essas pessoas – era o Procurador Geral da República, o Presidente do Metropolitano de Lisboa, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, cada um com o seu pelouro, tudo para trabalhar, o General Soares Vieria Rebelo que tinha sido Ministro da Defesa, tudo pessoas de altímissa posição social e política.
Só que em Dezembro 1968, fui chamado ao Ministrério pelo Dr. José Hermano Saraiva que era o Ministro para me dizer que a Universíada estava cancelada. Eu perguntei como e repondeu-me que o Governo havia entendido não ir avante com essa organização. Eu fiquei como calcula, tristíssimo e incomodadíssimo. Recordo-me na sessão em que, com todas as pessoas presentes, anunciei a decisão do Governo logo nesse dia ao fim da tarde, eu mal conseguia falar pois as lágrimas não me deixavam. E então vim a saber porquê… Era Ministro dos Estrangeiros o Dr. Franco Nogueira, que comunicou ao Presidente do Conselho, isto já com o Dr. Marcelo Caetano, já o Dr. Salazar estava afastado. Porque com o Dr. Salzar a candidatura tinha ido mesmo avante, não tenho dúvidas nenhumas. Era uma pessoa que se tinha dado a palavra, ia mesmo avante. Mas o Dr. Marcelo Caetano pressionado pelo Franco Nogueira que disse que tinham surgido na Embaixada de Paris, 300 vistos de jornalistas de países de leste. E ele ficou assustado. Com base nisso, cancelou a Universíada.
UMdicas: Isto depois levou à sua entrega de pedido de demissão de Inspector do Desporto Universitário. Deve também ter criado situações complicadas com a FISU.
A.R.: Sim, demiti-me imediatamente. E devo dizer que não tive coragem para ir à reunião do Comité Executivo sem que isto tivesse sido tratado… Mandei lá o Sá Lima e que ouviram coisas desagradáveis como é compreensível. Mas depois o Primo Nebiolo que era muito meu amigo, la acabou por compreender a situação e ver que não era nada comigo mas sim uma coisa política e acabei por até ser reeleito em ’73.
UMdicas: Relendo o seu livro Memória, vejo-o referindo-se a nomes como Juan António Samaranch, Primo Nebiolo, João Havelange, António Salazar ou Eusébio entre tantos outros…. Conviveu com pessoas ímpares da história do Desporto Mundial. Acha que hoje em dia, com o tempo, Portugal acabou por perder uma posição de influência junto dos centros de decisão mundiais?
A.R.: Eu reconheço que tinha um certo peso por causa da minha posição insititucional. O indivíduo pode fazer diferença mas o peso institucional era muito importante. O Primo Nebiolo foi um homem que se fez por ele, entramos ao mesmo tempo para a FISU (em San Sebastian). Era de facto um tipo fora de série e com uma ambição desmedida – um homem importantíssmo no Desporto. O Havelange era um individo muito bem-falante, hábil no negócio mas confesso que pela forma de estar dele, não o queria para amigo.
O Samaranch era um pássaro, um pássaro enorme. Era Delegado Nacional dos Desportos em Espanha, para ser afastado, e telefonou-me para eu o convidadr cá oficialmente, ao qual eu acedi. Mostrei tudo que havia de desporto por cá e etc. e ele trouxe com ele uma bateria de jornalistas e televisões e tudo passou à noite em Espanha. Enfim, foi condecorado e ele lá se conseguiu aguentar. Era um indivíduo que naquela posição tinha dinheiro e então ele era habilidoso com as diferentes federações, sempre em seu interesse. Era também duma ambição desmedida, tanto que chegou a Presidente da Comité Olimpico Internacional.
UMdicas: Conheceu também outras figuras icónicas como o Che Guevara. Como veio isto a acontecer?
A.R.: Como disse na altura, fui representar a FISU nos Jogos Latino Americanos em Cuba. Havia muitos jogos como era normal e eu sempre gostei de basquetebol pelo que fui assistir a um encontro Cuba x Brasil. Quando lá cheguei, estava no camarote o Che Guevara, que reconheci logo. Fui apresentado e começamos a conversar. Devo dizer que nenhum de nós viu o jogo. Foi de tal forma interessante que combinamos ver um jogo no dia seguinte. A mesma história, conversa e não demos pelo jogo. Che Guevara era um rapaz novo ainda, na força da vida, muito simpático e com uma barbicha muito bem tratada e de pistola no coldre. Lembro-me que a certa altura, com o meu espírito coimbrão, atrevi-me a meter-me com ele. Comentei que via muitos mestiços na rua e que como ele sabia, nem os brancos nem os negros gostavam deles e que qualquer dia iam ter problemas cá em Cuba porque eram muitos, disse-lhe eu. Então ele olhou para mim e fitou-me, com um olhar penetrante, e respondeu que sim mas que nessa altura, eles seriam exportados. Passado pouco tempo, estavam 20mil em Angola e outros tantos no Congo. Por exemplo, perguntei sobre a questão do território muito acidentado e as aldeias, como resolviam com os médicos. Ele explicou que lá todos os estudantes eram todos bolseiros do estado, estudam gratiutamente. Quando acabam a formatura, são obrigados a ir 2 anos para a província. E o que se tem verificado, alguns acabam por namoriscar por lá e casam, outros gostam mesmo da terra e lá ficam. Assim vai-se cobrindo o território.
Na altura, eu estava a preparar uma bolsa de estudo para os alunos do INEF, porque na altura havia muito poucas bolsas do estado, e a Educação Física não era contemplada. Nesse regulamento que eu fiz, com base nisso que eu ouvi do Che Guevarra, pus que os estudantes que terminem o curso com bolsa são obrigados a ir 2 anos para onde a Administração entender. Levei depois esse regulamento ao Ministro que me disse não poder assinar, pois embora concordasse, era inconstitucional – a primeira vez que ouvi falar desta palavra. Tinhamos de facto uma grande empatia e ele deu-me esta dica, para ir ter com o Sub-secretário de Estado que era professor de Química e que percebia tanto de inconstitucionalidade como eu. Assim foi e a portaria foi assinada e ficou a ser lei com a dica do Che Guevara.
UMdicas: Neste momento, quem é que via como pessoa ou poder para pegar no Desporto Universitário e pô-lo onde ele podia realmente estar?
A.R.: Hoje é tudo muito complicado. O facto de ser Director Geral dos Desportos e ser Inspector Nacional do Desporto Universitário, levou-me a ter conquistado um chapéu único para todo o desporto nacional, excepto o coorporativo. O próprio desporto escolar, consegui que passasse para a Direcção Geral dos Desportos em troca com a saúde escolar. Portanto, tudo aquilo estava num comando único, e tinha uma visão de helicoptero. Tinha que se tratar todas as pessoas como filhos, e não como enteados uns e filhos, outros. Hoje em dia isso é muito complicado porque houve uma altura em que um Ministro muito importante ainda nos Governos provisórios quando o Desporto andava ai aos baldoes, disse-me para eu lá voltar para ver se pões aquilo nos eixos. Eu repondi o seguinte: “Tu és Ministro deste Governo, tens uma caneta que faz decretos-leis, faz leis, mas depois na prática não és obedecido. Anda tudo ai na rua aí aos baldões.” Eu na altura que era Director-Geral, só Director-Geral, também tinha uma caneta e na ponta da caneta estava o poder. A diferença é essa. Não me queiras sujeitar a uma coisas dessas.
Reconheço, que qualquer coisa que pedisse era atendida. Por exemplo, a selecção nacional de futebol de ’66. Havia o problema da Guerra em África e os jovens estavam todos a ser mobilizados e a Federação apareceu-me e pôs-me este problema – nós vamos para o Campeonato do Mundo agora mas precisamos o minimo de tranquilidade para não estarem a pensar que iam ser chamados. Era uma questão tabu mas eu fui falar com o Ministro do Exército e expus-lhe a situação, à qual ele acabou por aceder, pedindo uma lista de jogadores para ele lhes ver a situação. Entretanto, pedi essa tal lista à Federação e sabe quantos apareceram na lista? 67 Jogadores! Afirmei na Federação que tinha um princípio de acordo com o Ministro mas que não ia lá com essa lista tão grande e então indicaram-me os 30 finais, que acabaram por ter a calma e tranquilidade necessária para trabalharem. Enfim, eu tinha este acesso ao poder e hoje não vejo isso.
UMdicas: Falou duma visão de helicoptro. Acha que falta uma visão estratégica para o Desporto em Portugal? Saber onde queremos estar daqui a 10 anos?
A.R.: É evidente que falta. Mas eu caio sempre no mesmo – enquanto o desporto escolar não for uma prioridade, nunca teremos um desporto verdadeiramente nacional.
UMdicas: E porque é que o Desporto Escolar tem dificuldade em se afirmar? E de igual modo o Desporto Universitário em ser considerado importante, estratégico?
A.R.: Ao certo não sei mas há uma classe que é dos professores de educação fisica que tem grande responsabilidade nessa matéria. Eu fiz o liceu em Aveiro onde tinhamos um pequeno ginásio. Tive um professor de educação física notável que era o professor João Infante, que fez de nós logo no primeiro ano que deu lá aulas, campeões nacionais escolares de ginástica. Ganhamos contra a classe de Lisboa. Quero dizer, quando os professores são bons fazem milagres, transformam as dificuldades em forças. O que se vê hoje nos professores de Educação Física, na sua grande maioria, vão às aulas, tem o seu horário e dão as aulas mas não se empenham.
Um exemplo aconteceu-me quando fui aqui à escola preparatória para tratar de um assunto e passei e vi uma senhora, com fato treino debaixo de uma árvore a ler um livro e os miudos a jogarem à bola e atirarem ao cesto. Eu não resisti e perguntei “Minha senhora, desculpe lá ? isto é uma aula?” Ela respondeu, “Sim, é aula de Educação Física.” Eu agradeci e fiquei esclarecido. Hoje em dia, os professores querem é ser requesitados. Existe de facto um problema, não sei se de motivação ou quê.
Por exemplo, nas federações, temos professores de Educação Física à 20 anos requisitado. À mais de 20 anos! Quer dizer, estão à 20 anos a tapar a vaga nas escolas mas vão buscar mais um quanto nas federações. São boas pessoas que podiam movimentar uma escola inteira. Eu num dia, em 7 distritos do país, pus 127 mil crianças a fazer desporto todo o dia. De 127 mil nessa altura, seriam hoje milhares ou um milhão a praticar desporto. O que é que nao pode sair daqui?
UMdicas: Falta aqui claramente quem assuma as suas responsabildiades, seja Governo, sejam as universidades, as escolas,…
A.R.: É a tal questão do poder – o poder está partido. Cada um tem a sua quinta. Porque eu com aquele comando único, era eu que tinha o dinheiro. E dava para o desporto escolar, desporto universitário, para o federado. Hoje há muito mais dinheiro disponível, isso não tem comparação. E nao sei porquê não se faz mais, ou não se quer fazer, ou se não deixam fazer… O dinheiro existe, as condições são muito melhores do que no meu tempo e não há um comando estratégico, ninguém sabe para onde vai, anda tudo à espera da fotografia, da televisão, de aparecer aqui e acolá, só interessa isso.
Quando eu lancei o primeiro plano de fomento gimno-desportivo, vocês não queiram saber a guerra que eu sofri – não era batalha, era uma guerra! Porque as federações queriam o dinheiro todo para elas mas eu recusei – voces vão ter 35%, outros 35% para construção de infra-estruturas desportivas, 20% para formação de agentes de ensino, 5% para a medicina desportiva e os restantes 5% para despesas administrativas, até afectos ao próprio gabinete do Ministro. Isto foi uma guerra mesmo! Fizemos dezenas largas de infra-estruturas, tivemos um ano com a construção de 1 pavilhão por mês. O Ministro não acreditava que eu era capaz, mas saiu. Eram pavilhões modestos, fazia-se um pavilhão por 750 contos. Vocês hoje vêem pavilhões, altamente sofisticados, em locias aberrantes, sem escolas ao pé -eu obrigava que o pavilhão ficasse dentro ou ao lado das escolas – o dinheiro gastou-se às catadupas.
UMdicas: Seguindo essa ideia de distribuição de dinheiro às federações, e por exemplo depois esta recente situação dos Jogos Olimpicos, não acha que se deviam pedir contas às federações em vez de dar um cheque em branco? Acha que o Estado devia fazer uma avaliação do tabalho das federações?
A.R.: Eu devo dizer que em relação ao Estado tenho uma mágoa que vai comigo para a cova que é a seguinte – quando saí da Direcção Geral dos Desportos fui para uma grande empresa, a SONAP, fiquei muito bem colocado. Ao fim de 10 anos de Director-Geral, eu disse que não conseguia aguentar esta pressão. Lembro que na altura não havia censura para o desporto, havia censura mas no desporto dizia-se o que se queria, e eu era um bocado o peão das nicas, era o escape de todas as coisas. O próprio Presidente da Republica Almirante Tomás gostava muito de desporto, chamava-me muitas vezes para saber o que se passava de verdade.
Nessa altura, desliguei-me do desporto, mas funcionalmente. Nunca me desliguei da ideia do desporto. Nunca até hoje, até à data, o Estado como Estado, achou que a minha experiência desportiva tinha algum mérito, podia ser utilizada. Nunca. Eu depois disso, já fui Presidente da Federação de Ténis, ainda sou hoje Presidente da Assembleia-Geral de Basquetebol, portanto coisas mais particulares. A própria FADU faz o favor de me integrar nos seus quadros. Portanto, o Estado nunca pediu qualquer colaboração, antes pelo contrário.
UMdicas: Destes anos de experiência que teve no Desporto Universitário, quais foram para si, os momentos mais marcantes?
A.R.: Eu tive muitos momentos de felicidade no Desporto mas o primeiro que me marcou foi a medalha de bronze do Fernando Almada. A primeira vez que um atleta português conquistou um pódio. A outra grande alegria que tive foi a eleição do Pedro Dias para o Comité Executivo da FISU. Deu-me também uma alegria muito grande mesmo.
UMdicas: Nas Universíadas em que esteve presente, o que foi mais marcante?
A.R.: Olhe, devo dizer o seguinte – nos Jogos Internacionais Universitários e nas Universíadas, eu não me esqueço do ambiente que se vivia nesses Jogos Internacionais Universitários que eram muito mais pequenos, muito mais acolhedores. Nas Universíadas recentes, o gigantismo é uma coisa que me assuta porque tudo aquilo é tudo muito artificial. Começa porque os atletas são todos profissionais, o que para mim é um handicap complicado. Para mim desvirtuou um bocado. Uma coisa é uma pessoa que é estudante e que nos seus tempos livres pratica desporto. Hoje isso sublimou-se com o profissionalismo muito elevado. Os tempos são diferentes.
Texto: Paulo Ferreira
Fotografia: Nuno Gonçalves
nunog@sas.uminho.pt