O Mundo a seus pés

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Há seis anos atrás, um jovem franzino e com algum tempo livre, decidiu experimentar o Taekwondo enquanto os seus pais iam para o ginásio. Numa entrevista televisiva e quando questionado acerca se poderia ter sido o Ténis ao invés do Taekwondo, Bragança respondeu de forma directa e simples: “Sim, poderia ter sido”. Se perdemos um Nadal ou um Federer nunca o saberemos…

O que é certo é que a paixão por esta arte marcial milenar foi crescendo de dia para dia, e ao fim de dois anos, o jovem vimaranense começou a entrar nos tatames e a vencer combates. Após o título nacional no escalão de juniores eis que surge o primeiro grande resultado internacional: terceiro lugar num europeu júnior.

Paralelamente a este promissor trajecto desportivo, Rui nunca descuidou o seu percurso escolar. No final do 12º Ano e com uma média de 17,3 valores decide concorrer à Universidade do Minho, pois era a única em Portugal que lhe garantiria compatibilizar as exigências da Alta Competição com as exigências… de Medicina!

Já na Universidade e graças às mais-valias que a prática de uma arte marcial transfere para a personalidade do indivíduo (capacidade de sacrifício, ponderação, dedicação, etc), Bragança consegue conciliar a rotina diária de treinos (um às 6h30 e outro às 17h30) com as exigências curriculares. A vida não é fácil, mas o vimaranense com o seu espírito de conquistador lá se sagra mais uma vez campeão nacional sénior, ganha uma medalha de prata no europeu universitário e passa para o segundo ano da licenciatura? nada que não se pudesse esperar.

É então neste ano lectivo de 2010/2011 que a sua carreira desportiva ganha outro destaque, fruto das inúmeras vitórias fora de portas, mas sobretudo fruto de uma vitória dentro de portas. No Campeonato Nacional Universitário, Rui vence pela primeira vez o seu grande rival nos -58kg, Pedro Póvoa, também ele aluno da UMinho e único atleta português de Taekwondo a estar presentes nuns Jogos Olímpicos!

Com esta vitória (a primeira e única derrota para Póvoa em provas realizadas em Portugal) Bragança ganha um capital de confiança que lhe permite definir-se como o futuro da categoria. Este facto vir-se-ia a comprovar nos Open?s de Israel, Suécia e Holanda onde conquistou ouro e em Espanha onde foi bronze.

Ciente das suas capacidades e fruto desta impressionante onda de vitórias, o Seleccionador Nacional, Joaquim Peixoto, convoca-o para o Mundial que iria ter como palco, nada mais, nada menos, que o pais que deu ao mundo o Taekwondo: a Coreia do Sul.

Conjuntamente com Mário Silva (- 63kg; potencial futuro aluno da UMinho) e com o seu colega de treinos, de curso e amigo, José Fernandes (-68kg), embarca numa viagem rumo ao extremo oriente, de onde regressará? Vice-Campeão do Mundo Absoluto!

Na sua primeira participação num Campeonato do Mundo Absoluto e no trajecto até à final, Bragança deixou pelo caminho dois Vice-Campeões Mundiais – Damian Villa (México) e Haidari Mahmood (Afeganistão) – e um Vice-Campeão Olímpico – Gabriel Mercedes (República Dominicana).

Para percebemos um pouco melhor o significado destas vitórias, nada melhor do que atentar nas palavras do próprio:

“É uma sensação espantosa. Para mim, o meu melhor combate foi precisamente contra o mexicano que era então o Vice-Vampeão do Mundo em título. Estive a perder praticamente o combate todo, mas consegui passar para a frente a 20 segundos do fim, com uma técnica à cabeça “limpinha”. O treinador dele contestou o golpe e pediu para os árbitros reverem o lance nas câmaras. Não imagino como, mas retiraram-me esses pontos! O combate terminou empatado e fomos para morte súbita. Numa troca de técnicas – na qual nem sei bem o que fiz – subiu o ponto para mim e aí senti-me quase como se já tivesse ganho o campeonato do mundo! Ele (Villa) é um atleta no qual eu me revejo, pois tem praticamente a minha idade e para estar no último Campeonato do Mundo, teve de vencer numa competição interna o actual Campeão Olímpico. Toda a gente achava que o seu país tinha decidido mal ao levá-lo a essa prova, mas a verdade é que ele chegou lá e conquistou o título de Vice-Campeão Mundial! Eu cá em Portugal tive de passar por uma situação algo semelhante. Quanto ao Vice-Campeão Olímpico foi algo também muito bom. As probabilidades estavam todas contra mim mas mais uma vez consegui, e vencer um combate tão táctico, com um pavilhão completamente cheio só a ver este embate foi uma coisa do outro mundo!”

Na final, e frente a Joel Gonzales, que já não perde qualquer combate há já dois anos, o futuro médico reeditou o combate dos quartos-de-final do Mundial Universitário de 2010, onde também ai o espanhol foi mais forte. O resultado final foi um 4-1 favorável ao actual Campeão Mundial Absoluto, Campeão Mundial Universitário, Campeão Europeu Absoluto e Campeão Europeu Universitário!

“Sem dúvida que este combate da final, com o Joel, foi o mais complicado. Para além de ele ser um atleta espectacular devido à sua estatura (ainda consegue ser mais alto que eu, coisa a que não estou habituado e me dificulta bastante as coisas) e ao seu conhecimento táctico, mal me tinham retirado o colete da meia-final e já me estavam a colocar outro e mandar-me lá para dentro combater com o Joel! Fiz tudo o que pude, por isso, mesmo tendo perdido, sinto-me tranquilo e em paz, pois dei tudo o que tinha dentro daquela área de combate!”

Para Rui Bragança este foi um marco na sua ainda curta, mas brilhante, carreira desportiva.

Para o seu treinador, Hugo Serrão, este resultado “não deixa de superar as expectativas, mas acaba por ser normal face aos resultados que o Rui tem alcançado este ano e face a todos os seus sacrifícios e dedicação, colocados diariamente nos treinos, nos estudos e na vida familiar!”

Por falar em estudos, sabiam que o Rui levou os livros de medicina para o Mundial?

“Levei os livros, mas infelizmente não consegui estudar nada. Ainda tentei nas viagens de ida e de volta, mas era impossível. Para conseguir entender uma frase eu tinha de a ler cinco a seis vezes e não deu mesmo. No tempo em que lá estive, então é que não dava mesmo, porque não parei um segundo! Entre pesagens, combates e ajudar o meu colega e amigo José Fernandes a preparar-se para os combates dele? os livros acabaram por nem sair da pasta.”

Apesar de não ter conseguido pegar nos livros, Bragança já voltou à rotina dos treinos e das aulas. Os seus professores e colegas felicitaram-no pessoalmente no regresso à Escola de Ciências da Saúde… mas não foram os únicos.

Após ter visto o seu feito reconhecido pelo Presidente da República, através do site oficial da Presidência, o futuro médico teve a honra de ser felicitado pessoalmente por Aníbal Cavaco Silva, aquando da vinda deste à UMinho para a entrega dos Prémios BIAL.

Terminado que está o ciclo do Mundial, Rui prepara-se para mais uma aventura antes de poder finalmente entrar de férias? quase em finais de Agosto! Com bilhete de avião já marcado para o Azerbaijão e para a China, onde disputará o Pré Olímpico Mundial (prova que dá o apuramento para os Jogos) e as Universiadas (Jogos Olímpicos Universitários), as férias são quase uma miragem!

Esta é a vida de um Atleta de Alta de Competição. Esta é a vida de alguém que encontra numa arte marcial uma forma de estar, de ser. Uma vida cheia de sacrifícios, tristezas, alegrias, vitórias, mas acima de tudo, esta é a vida de um jovem que nunca desiste e que vê em cada dificuldade apenas mais um desafio!

“Ao sagrar-se vice-campeão do mundo de Taekwondo, na categoria de – 58 Kg, no campeonato a decorrer na Coreia do Sul, o atleta português Rui Bragança viu o seu nome inscrito no primeiro plano da modalidade a nível mundial. Quero, pois, felicitar Rui Bragança por este feito, que prestigia o Desporto nacional.

Anibal Cavaco Silva”

Texto e Fotografia: Nuno Gonçalves

nunog@sas.uminho.pt

(Pub. Jun/2011)