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“Um aluno não pode pensar que quando vem para a licenciatura tem direitos, a nível do emprego ou do trabalho”







Qual a sua formação e trajeto académico?


Sou Licenciado em Biologia pela Universidade do Porto desde 1983. Ingressei na UMinho em 1984 e doutorei-me em 1998.


 


O que o motivou a aceitar “comandar” este curso?


Este não é um cargo de escolha, nomearam-me. É um cargo que acaba por calhar um bocadinho a todos. Para nós é mais uma função enquanto docentes. Pessoalmente agrada-me esse papel pelo contacto privilegiado que nos dá com os alunos, embora esta função só nos traga mais trabalho, burocrático. Mas é com agrado que o faço.


 


As experiencias anteriores têm-no ajudado no cumprimento da sua função de diretor de curso?


Claro que sim. Já estou cá há muitos anos. Acompanhei o curso quase desde o seu início. Passámos pela implementação do processo de Bolonha, por todo um conjunto de reformas curriculares dos níveis de ensino pré-universitário e isso dá-nos uma visão diferente da que poderiam ter colegas mais novos. O processo de Bolonha também alterou profundamente o curso. Era uma licenciatura de ensino, neste momento não é exclusivamente. No que respeita à minha área de trabalho e de investigação, tenho uma ligação ao mercado de trabalho que pode ajudar os próprios alunos a escolher o seu rumo e decidir o querem fazer. Neste sentido toda a nossa experiência passada acaba por ser muito importante para se ser um bom diretor de curso.


 


Quais são as maiores dificuldades no cumprimento da sua função?


Como docentes/investigadores temos o nosso tempo muito sobrecarregado e isso é um problema sem alternativa. Mas o principal problema são os alunos. Os alunos têm diminuído de qualidade nos últimos tempos, infelizmente. Não têm hábitos de trabalho, perdem demasiado tempo com coisas extra, nomeadamente com as praxes.



Um dos pressupostos do processo de  Bolonha era que os alunos fizessem mais trabalho independente. Mas não o fazem e a maior parte deles só trabalha efetivamente para os exames. Isto significa que o rendimento depois é muito baixo. Durante a sua licenciatura os alunos não nos ligam quando os chamamos a atenção para a necessidade de se dedicarem mais ao trabalho. Mais tarde arrependem-se e dão-nos razão. Temos antigos alunos que até estão a trabalhar connosco e até são muito competentes naquilo que fazem, mas estão limitadíssimos porque têm uma média de 11 ou 12 valores e dizem-nos “se pudéssemos voltar a trás não teríamos feito o que fizemos, tínhamos ouvido o que os professores estavam a dizer”.



Temos limitações orçamentais, limitações de pessoal, limitações de espaços, temos muitos problemas que são inerentes à instituição, mas o nosso maior problema são mesmo os alunos. São pessoas com quem se lida muito bem, mas no que toca ao ritmo de trabalho ficam, regra geral, aquém do desejável.






 


No seu entender porque é que isto acontece?


Temos aqui vários problemas. Primeiro é uma licenciatura que ainda não encontrou o seu rumo. Dos cerca de 60 alunos que entraram, cerca de 10- 15 pretendem seguir a via de ensino, os restantes estão um bocadinho perdidos (a maior parte porque não era o curso que queriam, acabando a licenciatura por ser uma licenciatura alternativa). A própria licenciatura quando foi reestruturada não assumiu verdadeiramente as saídas alternativas. Está uma reestruturação em curso que esperamos que resolva parte desses problemas, estando a tentar-se dar mais algum objetivo à BG para além do ensino.

 

A BG sofre de um problema, tem duas áreas distintas: Biologia e Geologia. Isso significa que em relação à formação clássica de uma área ou de outra está em desvantagem. Pensar-se que um aluno da BG poderá ingressar num 2º ciclo e seguir o percurso normal que tem um biólogo ou um geólogo, exige um esforço muito maior porque os conhecimentos de base não são os mesmos. É impossível em 3 anos ministrar os mesmos conhecimentos que cada licenciatura clássica fornece em cada uma das duas áreas.



Claro que um aluno pode fazê-lo e muitos têm conseguido seguir esse percurso e com sucesso. Tenho alunos de Biologia Aplicada e Biologia-Geologia a trabalhar comigo como estudantes de mestrado ou como bolseiros de investigação e não distingo qualitativamente o trabalho que fazem. Esperamos que com a reestruturação do curso se consiga melhorar a apetência do curso. 


 


No seu entender, porque é que um futuro universitário deve concorrer ao curso de Licenciatura em Biologia-Geologia?


A BG da UMinho, tal como outras que também têm licenciatura mista, tem a formação ideal para o futuro professor. O mesmo peso de Biologia e de Geologia no 1º ciclo, com possibilidade de completar com o 2º ciclo a componente pedagógica, dá-lhe os conteúdos necessários. Qualquer aluno que pretenda uma saída diferente (Biologia ou Geologia) fica sempre carente de uma formação complementar.



Para um aluno que esteja interessado numa saída em Biologia num domínio com forte incidência na biologia molecular, biotecnologia ou mesmo saúde, a BG não é o curso ideal. Quem quiser seguir um percurso no domínio da Geologia este é um bom curso para entrar, bem como na área Ambiental. Quem estiver a pensar numa saída no domínio do ambiente, a BG dá-lhe uma formação bi-disciplinar de base suficiente; no 2º ciclo especializará.






 


Quais são na sua opinião os pontos fortes deste curso? E os pontos fracos?


O ponto forte deste curso é a formação mista, para quem for para determinadas áreas. A possibilidade da via ensino, para quem o pretender, é naturalmente o ponto mais forte em termos de empregabilidade. Essa formação mista é ao mesmo tempo um problema para quem quiser ir só para Biologia. Para Geologia não é tão grave, desde que complemente os seus estudos com um 2º Ciclo nesse domínio.



Para Biologia há todo um conjunto de disciplinas ministradas nos cursos de Biologia clássica que na BG não temos tempo, nomeadamente os aspetos moleculares e biotecnológicos. Por isso quem vier para BG tem de saber bem o que quer: ou vai para ensino, ou para geologia, ou está a pensar numa área de Ambiente. Se o aluno se esforçar, se o aluno for relativamente bom, se nos demonstrar que tem capacidade de trabalho, até há bastante trabalho remunerado nestas áreas (embora emprego seja mais difícil).



Nas áreas onde regra geral encontramos um biólogo de formação, é um pouco mais complicado. Ou se é muito bom e se tem uma vontade de trabalho muito grande, conseguindo compensar a falta de conhecimentos que tem e entra num percurso de investigação, ou então vai ter muito mais dificuldades.


 


Existem hoje em dia excesso de profissionais em determinadas áreas. O que podem esperar os alunos da Licenciatura em Biologia-Geologia quanto ao mercado de trabalho?


Quando falo com os meus alunos nas primeiras aulas, digo-lhes sempre que eles têm que mostrar o que valem, têm que mostrar que vale a pena investir neles. Um aluno não pode pensar que quando vem para a licenciatura tem direitos, a nível do emprego ou do trabalho. Na área do ambiente onde trabalho, temos bastante trabalho mas não temos emprego.



Os alunos não podem pensar que vão ter um emprego das 9h00 às 17h00, casar, comprar casa e ter muito filhos, se calhar vão ter de andar a saltitar de um lado para o outro. Agora temos uma série de alunos e ex-alunos a trabalhar connosco diretamente, em projetos, em trabalho remunerado mas não é emprego. Agora isso não é para todos! Há muitos alunos que conhecemos e deixamos cair porque não demonstram que valem a pena investir neles e há alguns que valem esse esforço e que são acarinhados.



Todos os anos temos uma serie de alunos que valem a pena, mas a maioria acaba por ficar na mediocridade, e quando isso acontece vão marcar a diferença para a sua vida. A mensagem que se pode transmitir é que na nossa área continua a haver trabalho. Há trabalho na Geologia, na área Ambiental, no Ensino também. Nas áreas mais tradicionais da investigação em Biologia também há, mas o aluno tem de ser mesmo muito bom e complementar os seus conhecimentos com os ciclos de estudo seguintes (mestrado e doutoramento).






 


Acompanhou o período das reformas de Bolonha, marcado por uma profunda alteração do modelo de ensino. Como o avalia?


Para a BG foi bom. Era uma licenciatura moribunda, que tudo indicava iria fechar. Antes do processo de Bolonha, tive oito alunos numa das cadeiras finais do 4º ano. Começou a cair e com isso as médias de entrada também, foi um período muito mau. O processo de Bolonha ao retirar a componente pedagógica do 1º ciclo abriu um leque diferente. De repente temos cerca de 60 alunos por ano, com as médias de entrada a subir. Para a BG, o processo de Bolonha foi a salvação.


 


Quais são as suas prioridades para o curso nos próximos tempos?


A grande prioridade que tivemos foi a reestruturação que se conseguiu fazer este ano, aproveitando o processo de reajuste que todos os cursos da UM sofreram. Corrigiram-se alguns problemas que surgiram quando se fez a adequação a Bolonha. Foi feito um esforço grande para essa reestruturação e penso que os alunos vão sair mais bem servidos. O que neste momento também é muito importante e estamos a tratar disso, é redefinir os objetivos desta licenciatura, saber o que se pretende desta e transmitir isso para o exterior. Pretende-se que a licenciatura deixe de ser uma licenciatura alternativa e passe a ser uma primeira escolha.


 


Quais são para si os principais desafios?


O principal desafio é fazer com que a licenciatura passe a ser uma primeira escolha para quem não quer ir para ensino. A nível de investigação estamos muito bem enquadrados, temos na Biologia um centro de investigação classificado como muito bom, a Geologia também tem investigação de qualidade. Há um bom enquadramento ao nível das saídas profissionais e tem-se conseguido ir colocando alguns alunos no mercado de trabalho.



Temos o enquadramento certo, agora é preciso passar a mensagem para o exterior a ver se os alunos sobem um bocadinho de qualidade na entrada. Também temos que tentar fazer com que os alunos trabalhem um pouco mais, pois sem esforço individual não há nada a fazer. Um aluno que acabe o curso com média de 11, 12 ou mesmo 13 está marcado para a vida. Os alunos têm que se convencer que se não se esforçarem enquando aqui estão nunca mais fazem nada.



A pior coisa que um docente lhes pode fazer não é reprová-los: é dar-lhe o 10, só para não ter que perder mais tempo com ele(a). E o aluno tem que se convencer disso…




Texto: Ana Coimbra

anac@sas.uminho.pt





(Pub. Fev/2012)


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