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“Falta-nos muito a visão estratégica dos financiamentos”




Quem
é Rui Reis?

Um cientista.


A
decisão de aceitar o cargo de vice-reitor foi uma decisão fácil?

Nunca é uma decisão fácil! Para quem tem já tem
tantas responsabilidades como eu já tinha, ter uma outra tão importante é
sempre muito difícil. Por outro lado, tudo que eu fui conseguindo ao longo
destes anos, foi sempre com o apoio institucional da UMinho, e em muitos dos
cargos com o apoio do atual Sr. Reitor. Portanto, era daqueles desafios que se
pode dizer era quase irrecusável por uma questão de historial e também pela
razão de que sou muito dedicado à instituição que represento. Acho que a posso
defender bem e, por outro lado acho que tenho algum perfil para desempenhar
estas funções. Claro que pesou o facto de ser para ser vice-reitor da
Investigação, se fosse para outra área teria sido uma decisão muito mais
difícil.


Quais
foram as maiores alterações que esta nova função trouxe à sua vida?

Ao assumir esta nova função, como seria de esperar,
tenho sempre mais atividades, mais responsabilidades. Não posso dizer que
trabalho muito mais horas, trabalho quase tanto como trabalhava. Tenho é que
gerir o tempo de outra maneira e organizar-me ainda melhor do que costumava
fazer. Por outro lado tenho ainda uma visão mais institucional de tudo o que
fazemos, muito mais cuidado em defender a instituição como um todo, tentar
criar situações para as mais diversas áreas, o que é completamente diferente de
quando se está simplesmente como diretor do nosso próprio grupo, em que a nossa
visão é muito ligada apenas aquela área que trabalhamos. Ou seja, faço como
fazia, muita ciência e gestão científica, mas faço eventualmente um bocadinho
mais de política (que também sempre fiz na parte da politica científica, mas
que foi sempre muito virada para o exterior). Agora tenho de fazer mais em
Portugal…É um desafio extremamente interessante.


Tem
um curriculum invejável e ocupa atualmente vários cargos de chefia. Qual o
cargo ou função que mais o fascina?

Nunca posso dizer que, por mais que eu esteja
satisfeito por estar a ser útil à Universidade (espero que o que eu vou fazer como
vice-reitor deixe alguma marca na Universidade do Minho), a minha grande função
é, e tem que ser, por todos os motivos e mais alguns, é ser cientista e diretor
do grupo 3B’s e do laboratório associado ICVS/3B’s. Porque o 3B’s é uma criação
minha, com muita gente a ajudar, com gente que trabalha comigo há muito tempo,
e portanto nunca podia aceitar outra função, por mais útil e interessante que
fosse, matando aquilo que passei toda a minha vida a criar. Aceitei com todo o
gosto, ser vice-reitor, e tenho a total certeza que me vou empenhar e fazer um
bom trabalho. Mas nunca aceitaria se tivesse de escolher deixar o grupo 3B’s ou
estragar uma coisa que demorou tanto tempo a fazer como ter aqui o Instituto Europeu
 de Excelência em Engenharia de Tecidos e Medicina Regenerativa ou a Revista
cientifica que criei, ou ser presidente da sociedade mundial da nossa área de
investigação. Portanto, tudo isto tem de ser compatibilizado e foi nessa linha
que aceitei estas novas funções. Acho sinceramente que tenho uma capacidade de
trabalho relativamente acima da média, em termos das horas e da eficiência do
que faço, vou ter que compatibilizar tudo isto. Até agora, acho que está a
correr bem, com algum esforço pessoal, mas também isso é o que eu estou
habituado ao longo dos anos.


No
meio de tantos cargos, investigação, escrita, viagens, prémios… Tem tempo para a
sua vida pessoal?

Se considerarmos que a minha vida pessoal é só
aquilo que geralmente se chama vida pessoal, fico muito mal. Mas eu não
considero que o que eu faço é apenas trabalho. É algo que realmente gosto muito
de fazer, e no meio de muita chatice, dificuldades profissionais, há muitas
coisas que faço no profissional que assumo como algo da vida pessoal. No
sentido de que, muita gente gostaria de ter a felicidade que eu tenho, quando
aterro em qualquer país ter sempre diversos amigos, tenho sempre alguém à minha
espera no aeroporto, alguém que me quer levar a jantar, tenho um colaborador,
um ex-aluno, alguém que trabalhou aqui no 3B’s e que conseguiu fazer a sua
carreira à custa de ter estado connosco cá na Universidade. Obviamente não é
aquela vida pessoal que a maior parte das pessoas consideram vida pessoal, mas é
alguma coisa que é extremamente interessante em termos pessoais. Depois tento
compatibilizar o melhor possível a vida profissional com a pessoal, obviamente,
tenho mulher, tenho um filho, que às vezes são um pouco sacrificados com
algumas destas coisas, mas entendem que para se jogar em alguns campeonatos é
preciso trabalhar mais, ter mais dedicação e sacrificar algumas coisas. Às
vezes não é o mais agradável porque não há agenda para aquilo que mais
gostaríamos de fazer, mas faz parte das regras de jogo, não há outra maneira!




É o cientista português com mais artigos publicados em
revistas internacionais e citado. Quais são estes números atualmente e o que
significam para si?

O mais citado não sei se sou, é algo difícil de medir
porque não há uma base de dados que diga que sou o mais, mas sou um dos mais
citados e sou o que tem mais publicações. Neste momento tenho cerca de 720
artigos na base de dados principal que é a
ISI Web of Knowledge. Tenho mais de
12000 citações e um índice h de 56. Estes dados significam que, tendo em
atenção a minha idade, o conseguir isto tão cedo é certamente um motivo de
orgulho para mim e para toda a minha equipa que conseguiu construir este grupo
e os outputs que nós temos. Até podíamos publicar muito e ninguém ler, a
ligação entre as duas coisas é que é importante (ter muitos artigos e artigos
muito citados é qualquer coisa extraordinário). Tenho no último ano quase 2400
citações, que é um número muito difícil de conseguir a nível internacional,
isso significa que os nossos trabalhos são usados pelos outros para desenvolverem
os seus trabalhos, essa é coisa mais interessante para um cientista. E fazer
isto com base na UMinho, num laboratório nas Taipas, sem eu nunca ter sido
professor numa universidade estrangeira, não me ter doutorado numa das grandes
universidades como muitos outros, é motivo de orgulho, é uma coisa que me
orgulha a mim, a todos os que trabalham no 3B’s, e à UMinho. As pessoas revêm-se
no facto de terem aqui entre nós na UMinho, 3 ou 4 cientistas que são
extremamente reconhecidos em termos mundiais, depois temos outros muito bons,
mas 3 ou 4 que aparecem sempre no topo, e isso, acho que é extremamente
interessante para a Universidade

.

É um investigador reconhecido, lidera um dos melhores
centros de investigação nacional e internacional. Qual o segredo do seu sucesso?

Sou relativamente mais reconhecido em termos
internacionais do que nacionais. Isto porque, penso eu, a UMinho está muito a Norte
(!), ou durante muito tempo eu não fazia parte das gerações que sempre controlaram
determinados processos. Eu era demasiado novo para entrar naquele grupo, e
depois há sempre a vantagem de dizer verdades e a desvantagem de dizer
verdades, paga-se sempre um preço, ganha-se alguma coisa, mas também se perde
alguma coisa, e durante muitos anos houve muitas dificuldades, foi preciso lutar
contra o sistema instalado, isso cria alguns anticorpos, alguns problemas, mas
eu acho que é esse o caminho, acho que é o que devemos fazer e temos também feito
enquanto Universidade. Quando não somos devidamente tratados quanto ao que
fazemos não há que ter medo de assumir que não estamos a ser devidamente
tratados pelo poder político ou pelas entidades financiadoras, seja por quem
for. Vou continuar a fazer isso.

Quanto ao segredo do sucesso, é sempre uma coisa relativamente
simples nestas áreas. Primeira coisa, muito trabalho. Segundo, muita ambição, (não
achar que há coisas impossíveis só porque estamos em Braga ou Guimaraes ou nas
Taipas ou em Portugal) podemos ser tão bons ou melhores que os outros naquilo
que fazemos. Outra extremamente importante, é organização (somos muito mais
organizados do que a maior parte dos grupos que trabalham nesta área em muitos
países que as pessoas imaginariam que seriam muito mais organizados), o grupo
3B’s tem uma certificação de qualidade para a nossa investigação, somos
certificados (sistema de qualidade) como se fossemos uma empresa, o nosso
processo de investigação é certificado por uma empresa internacional (sueca).
Depois a palavra-chave é liderança (sem liderança forte, sem estratégia, nunca
se vai a lado nenhum), e isto aplica-se a qualquer coisa, aplicando-se por
exemplo à nossa reitoria, temos uma reitoria com liderança, uma equipa com
qualidade, que quer fazer o seu trabalho e isso é muito importante. Temos de
ter objetivos, temos de ter metas, temos de ter vontade, temos de ter ambição,
capacidade de trabalho, isso é o que nos pode levar ao sucesso. Se estivermos
sossegados com certeza não chegamos lá.


O que significou para si o recente prémio Clemson da
Sociedade Americana de Biomateriais?

Já ganhei muitos prémios, diversos prémios muito
importantes, este tem uma característica diferente, porque é um prémio nos EUA,
na principal Sociedade Americana dos Biomateriais, que é o que eu trabalho
desde o final da minha licenciatura, desde 1990. É um prémio para as
contribuições para a literatura, tem a ver com o número de artigos publicados,
quantas vezes fomos citados, e é o reconhecimento pelos nossos pares, da
qualidade, da quantidade, da produção científica que fomos capazes de gerar.
Sendo um prémio dado nos EUA, a alguém que nunca trabalhou nos EUA, nunca
estudou nos EUA, nunca foi professor visitante, vai muitas vezes aos EUA para
participar em congressos ou para dar palestras em universidades, e por isso, conhecendo
o sistema americano é extremamente difícil conseguir isso. É um prémio que por
ser mais difícil e menos usual, porque tipicamente os europeus nunca conseguem
(é a primeira vez que vai para alguém da Europa do sul) é qualquer coisa muito
motivante e muito estimulante para toda a equipa que trabalha comigo e que
percebe que é muito importante este tipo de prémio.


O que é preciso ser ou fazer para estar na sua equipa?

É preciso ser bom (claro que isto engloba um conjunto de
critérios). Sempre que abrimos um lugar, há muita gente a concorrer, chegam-nos
currículos dos mais diversos pontos do mundo (temos tipicamente pessoas de 22,
23 nacionalidades a trabalhar cá). Uma coisa muito importante é o perfil da
pessoa, o que fez, o seu curriculum, a outra é a motivação que a pessoa tem
para trabalhar no nosso grupo, se conhece o que nós fazemos, sabe exatamente
que é para aqui que quer vir, podia ir para Oxford ou Cambridge, mas quer vir
para aqui, sabe que Portugal não é o melhor sitio para vir neste momento, ou
que as Caldas das Taipas não é bem a maior metrópole do mundo, mas sabe que
saindo daqui com um doutoramento ou um pós-doutoramento vai conseguir um
desenvolvimento da sua carreira que lhe será muito útil quando regressar ao seu
país ou se decidir ficar cá, esta questão da motivação é muito importante!
Depois, a outra, é aquilo que eu chamo, de “pesca à linha” que é a certa altura
precisamos de alguém com um
know-how específico em qualquer coisa que não temos
e então é quase como construir um “plantel” de uma equipa. Temos de ir buscar
aquela pessoa que nos falta porque precisamos, e mesmo aí, às vezes temos três
ou quatro possíveis e temos que escolher com base nos critérios que referi
antes. Há sempre um equilíbrio entre estas duas coisas.




O Professor Rui Reis é um dos quatro vice-reitores da
UMinho. Que funções tem a seu cargo e quais as expectativas para este novo
desafio?

A minha função engloba toda a parte da gestão da
investigação da UMinho, a gestão estratégica da investigação. Isto tem a ver
com a forma como nos organizamos, os centros de investigação, como somos
capazes ou não de ser mais competitivos em captar financiamentos nacionais e
internacionais e até regionais, toda a parte das bolsas de investigação e a
questão de sermos mais competitivos nessa área, o apoio a projetos, para que os
nossos centros, os melhores, os piores, os com mais experiencia, os com maior
ou menor dimensão possam ser cada vez mais competitivos na procura de projetos,
a parte do relacionamento com a Fundação para a Ciência e Tecnologia, a
interação com o Instituto de Nanotecnologia? Portanto tudo o que tenha a ver
com a investigação científica é basicamente o meu pelouro, a criação de
projetos multidisciplinares que possam envolver diversas escolas, diversos
institutos e centros da Universidade para trabalharem juntos em grandes
projetos, toda a parte da determinação da política em geral e organização das
estruturas de investigação, toda a parte que diga respeito à investigação,
passa de certa forma por mim, é também o único pelouro que poderia aceitar na
reitoria pois é aquilo de que realmente percebo.


Estará na equipa reitoral até 2017. Quais são os principais objetivos do pelouro que lidera e o que espera ver
concretizado até lá?

Os principais objetivos, em termos do programa da equipa
reitoral são, melhorar de forma sistemática e sustentada os outputs científicos
da UMinho. O que significa o número e a qualidade das nossas publicações e das
nossas citações, a nossa capacidade de atrair talento, ou seja, tentar ir
buscar melhores investigadores, não só nacionais mas certamente internacionais,
o sermos capazes de captar mais financiamento em termos de concurso aberto,
quer em termos nacionais mas particularmente em termos internacionais (porque
hoje em dia nenhuma universidade pode ser competitiva sem ser capaz de aumentar
as suas verbas próprias, criar melhores condições para que todas as unidades de
investigação da UMinho sejam mais competitivas nestes concursos, porque têm
apoio, têm consultoria, garantem que ninguém falha a chamada para um
determinado projeto por falta de informação ou porque não sabia que existia). Portanto
uma politica muito orientada para isso, melhorar as nossas infraestruturas de
investigação (espero que durante este mandato seja possível ter mais alguns
equipamentos, alguns edifícios, alguns equipamentos científicos de grande
dimensão para que seja possível melhorar os nossos outputs científicos), ter
grupos multidisciplinares a trabalhar juntos, ter melhores condições
laboratoriais com outro tipo de competitividade a nível internacional, promover
em colaboração com os meus colegas e com a pró-reitora da comunicação, divulgando
a qualidade da ciência que se faz na UMinho e que isso seja claro para toda a
gente, que os nossos estudantes atuais e antigos (ALUMNI) sintam orgulho na
Universidade e pelo que nós fazemos? Basicamente, tudo que toca com a investigação
está neste “pacote” e esperamos melhorar, em algumas coisas mais que outras,
mas tentaremos melhorar em todos estes parâmetros, pois penso que não estamos
mal, mas podemos estar muito melhor! Umas das ideias para a UMinho é sermos
sempre, em qualquer parâmetro, uma das três melhores universidades portuguesas,
o que é sempre um desafio para uma universidade que não está no Porto ou em
Lisboa.  

 

No
âmbito da sua tutela, quais são os projetos mais importantes a curto/médio
prazo?

A externalização do apoio a projetos, que vai
permitir que nos tornemos muito mais competitivos em projetos de grande
dimensão. É uma coisa que já estamos a montar e que já está estabelecida.
Também a interação com as entidades financiadoras de forma a conseguirmos, pelo
menos não sairmos prejudicados em alguns processos, o ajudarmos a montar tudo
que é a investigação no Norte 2020, Portugal 2020, planearmos a participação
nos programas europeus do horizonte 2020, toda a parte do gabinete de apoio a
projetos para que funcionem de forma mais eficiente e com melhores resultados, e
a divulgação do que fazemos bem.


Como avalia o
desempenho da UMinho na área da
Investigação nestes últimos anos?

Temos vindo a crescer muito e bem, e de forma sustentada.
Neste momento a UMinho já é 9,4% da produção científica portuguesa, um número
que se o normalizássemos ao tamanho da Universidade, ao número de docentes e
investigadores, é qualquer coisa de impressionante! Temos também alguns dos
cientistas de maior renome em Portugal, coisa que seria impensável aqui à uma
ou duas décadas, a Universidade tem centros extremamente bem avaliados e referenciados
nas nossas avaliações nacionais, mas também reconhecidos internacionalmente. A
UMinho tem feito um percurso muito interessante em termos científicos, mas que
tem ao mesmo tempo a vantagem de que nós, se calhar conseguimos melhor que os
outros a ligação ao tecido envolvente, a ligação Universidade-Industria (porque
somos das universidades que gera mais patentes anualmente, senão mesmo a que
gera mais patentes nacionais e internacionais), toda a parte do que tem nascido
da investigação em termos de spin-offs e start-ups, e o emprego que estas
geram. Temos como resultado da investigação e das pessoas que treinamos nos
nossos mestrados e doutoramentos, educado muita gente que está neste momento
empregada em algumas das melhores empresas nacionais e internacionais, em
organizações internacionais, e portanto parece-me que quando assumimos que a
UMinho iria ser uma Universidade de investigação, que é uma definição
internacional e é uma das nossas prioridades, e isso significa que em todos os
nossos projetos de ensino as pessoas têm de ter durante o seu processo de
aprendizagem alguma ligação à investigação, e à custa de termos investigação de
qualidade vamos ensinar melhor os nossos alunos (sejam de 1º, 2º, ou 3º ciclo vão
ser melhor treinados porque temos melhor investigação). Fez-se essa mudança de
paradigma, e à custa disso temos evoluído muito no sentido positivo, quer na
investigação, quer em todo o ensino ligado à investigação, portanto parece-nos
que foi uma aposta que está a ser ganhadora e queremos melhorar ainda mais. Se
calhar, pelo que temos feito poderíamos ser muito mais reconhecidos pelas
entidades nacionais relativamente ao que hoje são os nossos outputs, mas também
aí poderemos melhorar muito mais e é nisso que estamos a trabalhar.

A minha estratégia em termos de reitoria é, que nós
devemos ser facilitadores de oportunidades, ajudar a criar programas que depois
com a iniciativa das pessoas, (porque estas coisas não se fazem com a reitoria
a dizer vamos fazer assim e assim), as pessoas que estão no terreno é que têm de
ter planos, de saber o que querem fazer, têm de fazer propostas, candidaturas,
ideias para novos programas, novos edifícios, novos equipamentos, é isso que
nós vamos ajudar. Vamos em alguns casos desafiar as pessoas a fazer, mas será
muito mais “bottom-up”, no sentido de que tem de nascer das pessoas quererem
fazer, terem dedicação e nós certamente vamos apoiar, vamos pôr as coisas a
andar, é a ideia que eu tenho neste tipo de funções.  




Pretende também ser a universidade portuguesa com maior
impacto no desenvolvimento socioeconómico. Qual a sua opinião sobre a relação
entre a investigação e as empresas em Portugal?

Há muita coisa a melhorar. Há casos extremamente interessantes
e de sucesso, alguns dos sucessos são as pequenas empresas de base tecnológica
que estão a nascer, criadas por pessoas que acabam de sair da universidade e
com o que fizeram nos seus mestrados, nos seus doutoramentos, criam a sua
pequena empresa. Temos alguns grandes sucessos nessa área, o que a meu ver está
relacionado com a capacidade das universidades gerarem cada vez mais conhecimento,
mas começarem a protegê-lo com patentes e depois valorizá-lo, licenciando ou
utilizando para a criação da sua empresa. Depois há também em algumas áreas
especificas uma relação contratualizada entre empresas e a Universidade, ou
grupos de investigação da Universidade ou Centros que fazem investigação sob
contrato para aquela empresa, e em muitos casos são empresas tradicionais que
inovam à custa de, em vez de tentarem criar internamente equipas de
investigação e onde às vezes nunca teriam capacidades sem investimentos brutais
em equipamentos e recursos humanos, subcontratam as universidades ou os centros
de investigação, ou as entidades de interface, e à custa disso geram
conhecimento, em muitos casos patentes, inovam em processos, criam novos
produtos, e há muitos mais casos destes do que as pessoas possam imaginar! A
UMinho aí, é certamente uma das melhores universidades portuguesas em qualquer critério,
em termos da interação que temos com empresas, quer as mais tradicionais, quer
as mais de ponta, porque temos uma cobertura do nosso espetro de investigação
que dá para trabalhar com os mais diversos tipos de área, mas isso acontece cada
vez mais porque a política sempre foi de valorizar isso, enquanto que noutras
universidades às vezes isso era quase mal visto! Hoje isto mudou muito, e aqui
na UMinho sempre houve uma lógica de que era bom trabalhar com as empresas da
região, e com o tempo foi-se alargando às empresas de Portugal inteiro, e agora
cada vez com muitas empresas internacionais que vêm que nós temos qualidade na
investigação que fazemos, e que nos contratam para fazermos “aquela” investigação.


A investigação e a ciência é sem dúvida uma das vertentes
chave das universidades. Qual a sua opinião sobre a recente alteração à
atribuição das bolsas de investigação científica?

Temos muitos problemas na política científica portuguesa,
e não é só na atribuição de bolsas, mas é claro que o problema da atribuição de
bolsas é extremamente grave, no sentido de que, como muitas outras medidas não
foi discutido com a comunidade científica e foi decidido sem qualquer discussão
que iam existir grandes cortes. Depois houve uma aposta em programas doutorais
cortando nas bolsas individuais, o que sendo discutível até poderia estar bem
se tem financiado os melhores programas doutorais, coisa que em muitos casos
não foi o que aconteceu! Por outro lado, é muito mais uma questão ideológica do
que financeira, ao contrário do que se tenta convencer as pessoas, porque os
cortes originais nas bolsas (depois houve um recuo porque se conseguiu umas
verbas do ministério da economia e conseguiu-se dar mais algumas bolsas)
significariam qualquer coisa se dessem mais 1000 bolsas de doutoramento e mais
1000 bolsas de pós-doutoramento, que é um número brutal comparado com as que
foram dadas, custava 30 milhões de Euros por ano. Em quantas coisas este país se
gasta 30 milhões por ano que têm um efeito que é absolutamente incomparável e
residual em termos do que é o país, do que é investir em investigação e
desenvolvimento e na qualificação dos nossos recursos humanos? Já nem digo em
manter, já que há pessoas que são absolutamente críticas para o sistema e que
podem-nos tornar muito menos competitivos e depois vamos perder este dinheiro
que não investimos ao não sermos capazes de ir buscar financiamento a Bruxelas.
Portanto depois acabamos por ser financiadores dos grandes países, porque a
nossa contribuição para o orçamento da investigação de Bruxelas é superior ao
dinheiro que os nossos investigadores são capazes de ir buscar.


Qual pensa ser a ideia/objetivos do Governo em relação à
investigação científica em Portugal?

Acho que basicamente não há nenhuma política muito
estruturada para a investigação científica. A simples situação de que ao contrário
do que existiu durante muito tempo, em que havia um ministro, e um ministro com
o peso do professor Mariano Gago, com quem eu tive discordância muitas vezes, e
por tanto estou à vontade para falar, mas que de facto fez toda a estrutura do
que é o nosso sistema científico e tecnológico atualmente. Hoje em dia temos um
ministro da educação que se chama da educação e da ciência mas que é um
ministro da educação não superior! Pois quando chegamos ao superior e à ciência
parece que já não é nada com ele, e depois temos uma secretária de estado da
ciência, que tem um problema, a começar, em ser secretária de estado, porque
depois vai reunir com ministros na Europa e, ir um ministro ou um secretário de
estado é muito diferente, e estamos logo a perder com isso. Para além disso não
se compara o peso politico mesmo no interior do Governo, pois o antigo ministro
era uma pessoa de grande peso, até pelos anos que lá esteve. Portanto, temos um
conjunto de questões de peso político, depois temos algumas questões
ideológicas que não se percebe muito bem, dando a entender muitas vezes que os
cientistas e os investigadores são assim tipo “uns parasitas” da sociedade, e
se entende com muita dificuldade a utilidade do que eles estão a fazer, que é
exatamente o contrário do que eu acho. Depois há uns mentores da ciência que
são de uma determinada origem e de uma determinada polarização geográfica, em
que tudo tende a ficar nessa polarização e portanto, nós aqui no norte temos
alguma dificuldade em lidar com essa situação.


No seu entender como deveria ser feito o financiamento da
ciência em Portugal?

O financiamento da ciência deveria ser feito, como é em
qualquer parte do mundo, com base na qualidade, no mérito científico e na
avaliação pelos pares, com critérios muito claros, transparentes, com
avaliadores de qualidade. Sendo que o que estou a dizer provavelmente é o que
está nos documentos e o que é dito no discurso, mas não o que é feito na
realidade! Porque em muitos casos o que vemos é que, grupos que são muito
melhores que os outros não são financiados e os outros são, portanto, alguma
coisa está errada e não é o que acontece, por exemplo no European Research
Council, onde são os melhores que são financiados. Alguma coisa está errada em
termos políticos e no sistema de avaliação. Depois o outro problema que existe
é que continua a haver a utilização das verbas regionais para pagar a
investigação mais ligada às regiões de convergência, enquanto que o orçamento
geral do Estado é usado, por exemplo, para pagar a investigação em Lisboa, e
isso é um problema, porque nós somos tão portugueses como os outros. Somos
região de convergência porque estamos atrasados, é um dado estatístico real, e
portanto temos direito às verbas dos fundos estruturais porque precisamos de
convergir e devemos ter direito ao mesmo orçamento geral do estado porque
contribuímos com os com os nossos impostos como todos os outros. Como isto não
se resolve temos sempre este problema, e penso que seria muito importante criar
aqui algum equilíbrio nesta situação, coisa que nunca foi possível nestes
últimos anos.


O país tem sabido aproveitar a ciência e a investigação
produzida nas universidades?

Há bons exemplos de sucesso e coisas que estão a
funcionar muito bem. Acho que por culpa de todas as partes, há atividades muito
interessantes que são feitas nas universidades que não são suficientemente
divulgadas. Os investigadores às vezes fecham-se um pouco sobre si mesmos, às
vezes as empresas não estão suficientemente abertas, e existe sempre aquela
ideia de que o que é feito lá fora é sempre melhor. Aquela ideia de que o MIT é
melhor do que a UMinho em todas as áreas não é verdade, há muitas coisas em que
nós somos muito bons e portanto, é preciso perceber os nichos, e às vezes o
país não tem sabido valorizar tanto o que se faz nas universidades. Por outro
lado, as universidades atravessam situações muito difíceis, porque a situação
orçamental é a que é, cortes sistemáticos feitos à última da hora, de que
ninguém sabe, e portanto, conseguir manter as coisas a funcionar e conseguir
fazer ciência de qualidade é muitas vezes muito difícil. Acaba por haver uma pressão
muito grande para irmos buscar financiamento, o que pode fazer com que aconteça
muitas vezes, em que a gente não vai fazer aquela ciência que poderia ser mais
útil ao país no longo prazo, mas vai fazer aquilo que nos garanta algum
financiamento para subsistirmos no curto prazo. Portanto devia haver mais
equilíbrio entre os mecanismos do curto e do longo prazo. Falta-nos muito a
visão estratégica dos financiamentos.


Qual a sua opinião sobre a tutela do ensino superior?

O ensino superior não é a principal prioridade do
ministério da educação e ciência, se calhar até não tinha que ser, mas pelo
menos tinha de ser ao mesmo nível da educação básica e secundária, e a ciência
tinha que estar ao mesmo nível do ensino superior. Depois há a penetração
sistemática na autonomia das universidades que são certamente as instituições
públicas mais bem geridas em Portugal. É muito estranho tomar medidas sem discutir
com os reitores, com o conselho de reitores, de forma sistemática, anunciar que
se vai resolver e depois não se resolve, depois vem outro corte – não nos
permitir planear as coisas com algum tempo, numa base plurianual, o criarem-se
mecanismos que seriam de que íamos trabalhar em regimes mais flexíveis como a
organização fundacional, depois esta já não existe, depois cria-se uma lei,
depois retira-se – tem criado grandes problemas ao ensino superior. Não me parece
que de facto esta tutela esteja a funcionar devidamente e com vantagens para o
ensino superior português.


O 3B?s tem atualmente algum grande projeto em mãos?

Tem o meu projeto do European Research Council, o Concelho Europeu de
Investigação, que é o projeto “ComplexiTE” significa complexidade na
engenharia de tecidos, que olha para a interação dos diversos parâmetros que
estão envolvidos na regeneração de um determinado tecido, é um projeto
extremamente importante, de grande dimensão e dos mais difíceis de conseguir em
termos internacionais, e dos mais conceituados em termos europeus, ao qual
foram atribuídos 2.35 milhões de euros. 

Temos
outro projeto que se chama
POLARIS, que pretende potenciar a excelência
da investigação do 3B’s-UMinho, fortalecendo as suas atividades na área da Nano
medicina, que permitiu obter um dos maiores financiamentos de sempre (o segundo
maior de sempre) para um projeto de Investigação Científica Português, que tem um
orçamento global de 3.15 Milhões de Euros, um projeto em que estamos a
trabalhar com o apoio de quatro instituições internacionais, a desenvolver
novas abordagens em que estamos a usar Nano partículas, usamos péptidos
(proteínas muito pequeninas), tudo que à Nano escala pode ter um efeito na
medicina.

Estes são os maiores projetos em termos de financiamento, mas
temos também, e é neste momento uma das nossas áreas principais, a utilização
de recursos marinhos. Percebemos há algum tempo que o mar era uma área cada vez
mais importante na investigação e particularmente num país como o nosso. É um
projeto de utilização de recursos marinhos para aplicações médicas, cosméticas
e farmacêuticas. Estes têm gerado projetos transfronteiriços com a Galiza, no
espaço euro-atlântico, e grandes projetos europeus em que temos conseguido
utilizar estes recursos, criar propriedade intelectual e criar publicações
extremamente interessantes que eu acho que podem ter muita aplicação no futuro.


Como é liderar esta equipa e quais os maiores desafios?

Liderar a equipa é relativamente fácil. É um trabalho
diário, uma coisa que eu gosto muito de fazer, basicamente o maior trabalho é
ser capaz de decidir, mas decidir informado, perceber o que é que está em
causa, em vez de tomar decisões quase só por impulso (que também são
importantes, por vezes temos de decidir arriscar ou não arriscar), mas decisões
informadas. Depois a outra é motivar, é uma equipa muito grande que precisa ao
mesmo tempo de ter alguma competição interna, mas ter as pessoas a perceber que
estão naquele processo porque são as melhores e por isso mantê-las motivadas (o
que é muito difícil porque nós aqui não temos instrumentos financeiros, os
salários são fixos, as bolsas são fixas e por isso eu não posso premiar através
disso, tem de ser muito na base da palmada nas costas, o que às vezes não é
fácil). Nesta questão da motivação muitas vezes ajudam muito os prémios, o
reconhecimento, os projetos que conseguimos, mas é muito nessa linha. Depois a
outra, talvez a maior diferença do meu tipo de gestão é que eu muitas vezes
escolho a pessoa para fazer determinada tarefa porque aquela pessoa é a melhor
para fazer aquilo, mesmo que essa já tenha 25 tarefas e a do lado só tenha uma.
Noutros modelos a lógica é tentar dividir as tarefas por toda a gente, se
calhar é muito chato para a pessoa que já tem 25 tarefas, mas ela percebe que
está a ser escolhida porque é de facto a melhor pessoa para fazer aquilo e
portanto vai fazer aquilo muito melhor, se calhar vai ter que se sacrificar, se
calhar vai ter muito pouca vida pessoal, mas percebe que está naquele processo
porque é a pessoa certa.


Temos localizado ao
lado do Campus de Gualtar o INL. Como é a atual colaboração com o Instituto?


existem neste momento alguns investigadores da UMinho que estão quase
residentes no INL, temos alguns protocolos de colaboração. O INL tem
equipamentos e laboratórios extremamente interessantes, e obviamente estando
ali ao lado faz todo o sentido que tenha uma colaboração preferencial com a
UMinho. Mas neste momento a situação ainda é bastante insípida. Há boa vontade
de ambas as partes, queremos fazer, queremos aumentar a interação, mas não se
nota ainda um efeito mensurável em que se possa dizer que a colaboração com o
INL está a elevar significativamente os outputs da Universidade e vice-versa. É
claro que faz parte dos meus objetivos, faz parte da minha pasta tentar
melhorar e criar melhores mecanismos para que haja quase uma simbiose, em que
haja investigadores a trabalhar com o INL, porque, por um lado, muitas das
áreas de investigação se tocam e por outro, porque estamos muito perto e faz
todo o sentido que os investigadores da Universidade trabalhem com o INL. Há
ali um grande investimento do Governo português e do Norte, e por isso acho que
o INL tem de servir o programa de desenvolvimento da ciência portuguesa e a
região, e estando perto da UMinho temos de ser um parceiro institucional privilegiado.


Há alguma mensagem
que gostasse de deixar a quem ambiciona seguir a área da investigação?

Que
se comece a interessar pela investigação o mais cedo possível. Desde o primeiro
ano do seu curso, que tenha curiosidade, que leia os jornais, as revistas, que
veja documentários, que aproveite estar no ambiente universitário para tentar
perceber e ver o que se faz. É muito interessante que haja por parte dos alunos
universitários e até antes de o serem, interesse em perceber e saber o que se
faz. Embora existam alguns programas já institucionalizados de atividades e
visitas, acho que tem de nascer da própria pessoa ter aquele interesse, ter a
curiosidade e não achar que os cientistas são uns malucos. Devem querer
perceber o que os cientistas fazem, porque se dedicam à ciência, qual a
vantagem que isso pode ter. Acho que era extremamente interessante que houvesse
mais gente interessada na ciência…

 

 

Texto:
Ana Marques

Fotografia:
Nuno Gonçalves

(Pub.
Abr/2014)

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