?É necessário saber reequacionar o nosso papel no seio da comunidade académica.?
De que é feito este grupo e como se caracterizam? Porquê ?amarelos??
Que bela questão. O grupo é constituído por cerca de trinta membros – em termos de quantidade, certamente dos mais pequenos do nosso panorama cultural – e a sua missão é, digamos, muito indefinida: poderão encontrar-nos habitualmente na nossa acolhedora salinha no Bar Académico, onde nos reunimos para discutir ideias regadas tanto por infusões várias como pela obrigatória cerveja; desses momentos, que abusivamente denominamos ?ensaios?, saem coisas marginalmente mais estruturadas que arriscamos levar a palco – normalmente, a propósito de festivais de tunas, onde fazemos a vez de apresentadores. Tudo isto resulta, correndo bem, em momentos extáticos de comunhão com o público. Correndo mal, somos só uns palermas a dizer baboseiras.
A caracterização é difícil. Às vezes, somos satíricos, sagazes e aguerridos; noutras, apenas idiotas e infantis. Por entre as várias tonalidades que definem o nosso trabalho, na maior parte das vezes (só não será sempre, porque vamos por vezes ao engano) queremos que resulte daqui humor. Quanto às meias amarelas, não sabemos – na altura, havia certamente várias hipóteses, mas podemos apenas especular acerca dos motivos – talvez para sermos facilmente identificáveis à distância, em noites pejadas do nebular efeito alcoólico? (extáticos: derivado de êxtase. Fomos ao Priberam, e parece que existe. Continuemos.)
Fundado em 1990, comemoram este ano, 32 anos de vida. Como descrevem o vosso trajeto?
O trajeto é de difícil definição. Por sermos poucos, dá a sensação que a história do grupo se pode relatar através da memória de um grupo restrito de pessoas; de facto, um dos nossos fundadores – o Kim Mendes – esteve presente e ativo no grupo em praticamente todos os seus momentos, até ao seu falecimento em 2020. Para nós que chegámos mais tarde, não nos parece ter havido um trajeto explícito e planeado, ou pelo menos não havia nestes últimos anos; havia, sim, uma vontade enorme de palco, de escrever e dizer coisas que entusiasmassem as pessoas através da sátira e do humor. São 32 anos de uma relação com o público que é, idealmente, muito próxima e sincera; sabemos que ao longo de todo este tempo teve graus variados de sucesso.
Em que se destacam e diferenciam os Jogralhos dos outros grupos culturais?
No talento, claro: em geral, os outros grupos são largamente mais capazes do que nós, mais trabalhadores, e muito mais sérios no seu trabalho – constitui até para nós uma surpresa que nos continuem a convidar ano após ano para os mais variados eventos. São sempre festas muito bonitas e somos por todos estes amigos muito bem-recebidos; leva-nos a crer que, apesar de tudo, há uma ou outra coisa que fazemos razoavelmente bem.
Como caracterizam as vossas performances em palco? O que trouxeram e trazem de novo ao panorama cultural da Universidade?
No que toca ao nosso métier, digamos, distinguimo-nos claramente de todas as tunas (nas poucas circunstâncias em que ousámos produzir algo que se assemelhasse a música, resultaram desastres de tal ordem que nos obrigam a abandonar essas pretensões por mais um punhado de anos), e mesmo no panorama dos outros grupos do Minho, arriscamos dizer que não há nenhum que procure as coisas que nos interessam neste momento – e revelar esses nossos objetivos seria fastidioso tanto para nós como para quem nos lê. Notamos, certamente, que nos interessa cada vez mais formas diferentes de estar em palco, e que a experiência acumulada nos dá cada vez mais confiança para levar isso a cabo. A qualidade de execução é, por enquanto, uma alquimia difícil de controlar.
Por quantos elementos é constituído o grupo atualmente, e quem pode fazer parte dele?
Neste momento, temos cerca de quatro jograis ativos, e ainda uns seis ou sete escravos que, noutros grupos, se denominariam caloiros, ou pré-tunos, ou algo do género. Já indicámos acima que sempre fomos poucos, mas nesta fase conseguimos, em noites onde tudo magicamente se alinha, levar sete ou oito pessoas a palco, o que só foi possível nos tempos áureos do grupo – e isso deixa-nos muito contentes, e com a impressão de estarmos no rumo certo.
De resto, sentimos que qualquer pessoa pode fazer parte deste grupo. Nos últimos anos houve declaradamente uma falta de gente nova e ativa, mas o aumento de atuações e trabalho tem, de certa forma, trazido mais interesse ao que fazemos e temos conseguido chegar a mais estudantes. Se fôssemos um plantel de futebol, diríamos que temos uma equipa sólida, a precisar apenas de umas contratações cirúrgicas, e que pode lutar pelo campeonato durante mais um ou dois anos – mas é sempre, sempre muito importante haver camadas jovens que possam renovar o grupo.
No vosso percurso, quais os momentos e participações que destacam? Qual o vosso ponto alto do ano?
Na nossa história, guardamos especiais memórias de digressões à Irlanda com os nossos primos da Azeituna, e mais recentemente fomos desafiados a preparar um momento para a Gala Legião de Ouro do SC Braga. Pela dimensão do evento e da instituição, sentimos que é necessariamente um momento a assinalar; além disso, correu bem e deixou-nos com vontade de palcos e eventos cada vez maiores.
A confiança que todos os grupos depositam em nós deixa-nos muito contentes: tem-se manifestado nos vários convites que já recebemos, e nos últimos anos tivemos o privilégio de fazer parte da apresentação de praticamente todos os festivais de tunas da nossa academia. Não obstante, há um momento que ano após ano nos é muito querido: a Récita do 1º de Dezembro. Não só por ser o nosso aniversário, mas porque, de todos os eventos tunantes, nos parece ser das que mais reúne estudantes da academia, onde praticamente todos os grupos atuam; e esta conjunção leva invariavelmente a noites muito especiais.
Quais os projetos do grupo mais importantes a curto/médio prazo?
De momento queremos concretizar o primeiro retiro em muitos anos, e temos também em perspetiva a edição de um quarto volume na nossa obra escrita, que ajudar-nos-ia a fechar, de certa forma, um ciclo muito amplo na história do grupo. Dum ponto de vista mais amplo, o objetivo é solidificar a base do grupo, permitindo que continuemos cá durante mais uma série de anos.
A dinamização do grupo, torna-lo cada vez mais atrativo é, provavelmente, um dos vossos grandes objetivos. O que têm a dizer aos interessados em fazer parte do grupo?
É certamente um dos objetivos, mas não sabemos bem o que lhes dizer. Tendemos a atrair um tipo especial de gente, a quem o paradigma habitual de grupo cultural (leia-se, uma tuna) não satisfaz plenamente; há várias formas de pôr isto, mas, em suma, queremos e precisamos de fazer coisas diferentes. Sabemos que trabalhamos de forma diferente e que os nossos objetivos são, também eles, diferentes dos restantes grupos. Os interessados estarão, supomos, perfeitamente à vontade para se darem a conhecer, e poderão fazê-lo por vários meios – os meios habituais. Aqui não vale meios diferentes, tipo pombos-correio ou assim.
Qual é maior sonho dos Jogralhos?
Num dos textos que frequentemente levámos a palco neste semestre temos que ?Queremos ser os melhores deste país! Esse é o sonho que verdadeiramente nos fascina! Apresentar o nosso próprio late night show e derrotar, nas audiências, a cristina!?
O que nos parece um retrato fiel de um dos nossos sonhos. Mas há mais: grandes produções audiovisuais e cénicas; abastadas e incomensuráveis fortunas; a adoração inequívoca e perpétua por parte de salaciosas mulheres. No imediato, sabemos que nos faltam as grandes produções audiovisuais e cénicas.
Estes dois anos transatos foram particularmente difíceis para a cultura, mas a pandemia parece agora querer dar tréguas. Como viveram este período atípico?
Em geral, mal. Sentimos que a ausência de atuações e sobretudo de público nos atrasou num percurso que nos parecia ser indubitavelmente ascendente. Estamos agora sofregamente a recuperar o tempo perdido.
Como veem o panorama dos grupos culturais universitários em Portugal e a nível internacional?
Estamos cientes do limite de caracteres desta entrevista. Estas últimas questões poderiam, por si só, constituir uma outra; e não necessariamente pela nossa autoridade no tema, mas apenas porque de facto temos muito a dizer sobre isto.
Parece-nos que os grupos culturais universitários em Portugal estão algo desligados, ou distantes, da sociedade envolvente. É uma distância que não se explica à responsabilidade de apenas uma parte, e que, na verdade, se pode sem prejuízo da verdade estender ao setor da cultura em geral. Parece-nos que os últimos anos trouxeram radicais transformações ao nosso estilo de vida, e pretendemos estar atentos a esses fenómenos – decifrando-os, idealmente – para nos ajudar a fazer sentido desta bela, mas caótica experiência que é estar vivo no século XXI.
Como analisam o contexto dos grupos culturais na vida da Universidade e de um universitário?
A universidade acaba por ser um caso particular, ou um subconjunto, da sociedade em geral, e poderíamos praticamente responder o mesmo que na questão precedente. Mas há, neste caso, coisas mais concretas a dizer. Também na universidade houve grandes transformações – refere-se, habitualmente, o tratado de Bolonha como um eventual responsável pela maior efemeridade destes anos que ?são viagem? – mas há muitos mais fatores a considerar.
Os grupos culturais estão agora a passar a fase de celebrar, em vários casos, trinta anos de história. E invariavelmente, muita coisa muda em trinta anos. É necessário saber reequacionar o nosso papel no seio da comunidade académica.
Uma mensagem à comunidade académica?
Há vários lugares comuns a que habitualmente se recorre: aproveitem isto; o tempo passa; etc. etc.; e, se dúvidas houvesse, podemos de facto confirmar que é verdade. O ensino superior constitui para muitos uma fase com imenso tempo livre, não obstante haver muito para fazer. Respeitem esse tempo. Sejam bons uns para os outros, e assim. Normalizem dar passos atrás, se vos trouxer felicidade. E paguem finos aos Jograis.
Texto: Ana Marques