Entrevista ao Provedor Institucional – João Álvaro Carvalho
Ana Marques ⠿ 04-11-2025 17:00
João Álvaro Carvalho é Provedor Institucional da Universidade do Minho (UMinho) desde março de 2023. A figura do Provedor Institucional tem como missão promover os direitos do pessoal da Universidade, contribuindo para a justiça, a boa administração e o equilíbrio nas relações entre os vários corpos da comunidade académica.
Professor Catedrático do Departamento de Sistemas de Informação da Escola de Engenharia, João Álvaro Carvalho iniciou funções docentes na UMinho em 1983 como Assistente Estagiário. Natural de Braga, onde nasceu em 1960, foi estudante da primeira geração da Universidade, tendo ingressado em 1978/1979 na Licenciatura em Engenharia de Produção – ramo Sistemas.
Com doutoramento obtido no Institute of Science and Technology da University of Manchester (UMIST), no Reino Unido, entre 1988 e 1991, João Álvaro Carvalho obteve o título de Agregado em 2001 e foi provido como Professor Catedrático em 2003. Os seus interesses académicos centram-se no domínio dos Sistemas de Informação Organizacionais, área em que tem desenvolvido intensa atividade científica, académica e associativa, tendo sido um dos fundadores da Associação Portuguesa dos Sistemas de Informação (APSI).
Ao longo da sua carreira, desempenhou vários cargos de gestão académica e funções institucionais na UMinho — entre as quais se destacam a presidência do primeiro Conselho de Escola da EEUM, a vice-presidência da Escola de Engenharia e a participação no Senado da Universidade. Para além da docência e da investigação, colaborou também com diversas entidades externas, nomeadamente com o GPTIC e a A3ES, em atividades de consultoria e avaliação.
Designado Provedor Institucional pelo Conselho Geral, sucedeu ao Professor Emérito Aníbal Alves. O convite para o cargo foi recebido com alguma surpresa, mas também com satisfação e sentido de honra, refletindo o reconhecimento do seu mérito, da sua experiência e das qualidades humanas consideradas essenciais para o exercício desta função.
Em entrevista ao Jornal UMdicas, João Álvaro Carvalho fala sobre os desafios do cargo, o papel do Provedor na vida universitária e a importância de promover uma cultura institucional baseada na escuta, no diálogo e na confiança.
1- Quem é o Provedor Institucional da Universidade do Minho e como recebeu a escolha do seu nome para este cargo?
Foi com alguma surpresa que recebi o convite para exercer o cargo de Provedor Institucional. O convite foi-me dirigido pela então Presidente do Conselho Geral, a Dr.ª Joana Marques Vidal, que me consultou no sentido de verificar a minha disponibilidade para exercer o cargo, ainda antes de propor o meu nome ao Conselho Geral. A surpresa justifica-se pelo facto de eu estar ainda no ativo. Sou professor do Departamento de Sistemas de Informação da Escola de Engenharia e tenho as responsabilidades normais de um professor: ensino, investigação, interação com a sociedade... Na altura, o cargo de Provedor Institucional era desempenhado pelo professor Aníbal Alves que estava já aposentado, na situação de Professor Emérito. A primeira questão que se me colocou foi: porquê um docente ainda no ativo para o desempenho de um cargo que beneficia de algum distanciamento do funcionamento da instituição? Mas percebe-se que também há algumas vantagens em ter como Provedor Institucional um docente no ativo.
A surpresa não deixou de estar acompanhada de alguma satisfação e de me sentir lisonjeado e honrado por entender que a escolha traduz um reconhecimento, por parte da instituição e dos seus membros, de que possuo o mérito e as qualidades académicas e humanas necessárias ao desempenho da função de Provedor Institucional.
O aceitar do convite trouxe consigo um compromisso de conduzir com empenhamento e responsabilidade o novo desafio que a UMinho me colocava.
2- Após mais de dois anos e meio como Provedor Institucional, que balanço faz desta experiência? De que forma a sua carreira académica ou profissional influenciou a forma como exerce estas funções de mediação?
Tem sido, sem dúvida, uma experiência muito interessante e enriquecedora, que me traz uma nova perspetiva da UMinho.
Posso dizer que não tenho sentido muitas dificuldades. Por um lado, as solicitações ao Provedor Institucional não são muito numerosas. Por outro lado, ao fim de mais de 40 anos “de casa” e de ter desempenhado diversas funções de direção, estou bem familiarizado com a gama de situações que se colocam ao bom funcionamento de uma instituição universitária. E tenho também experiência de lidar com pessoas e com os seus problemas. Assim, julgo que facilmente encontrei a minha forma de exercer as funções de provedor, sejam elas de mediação ou outras.
3- O Provedor Institucional tem como missão principal promover os direitos do pessoal docente, investigador e não docente da Universidade. De que forma tem concretizado esta missão na prática?
Uma das aprendizagens que tive está relacionada com a diversidade de papéis que o Provedor Institucional é chamado a desempenhar. O regulamento identifica as funções de defesa e promoção de direitos, de mediação em situações de conflito e, em termos gerais, de contribuir para o bom ambiente académico e o bem-estar do pessoal da UMinho. Mas, por vezes, o papel do Provedor Institucional é diferente. Às vezes apenas o papel de ouvir e de ajudar a arrumar ideias. Outras vezes o de facilitar comunicação e entendimentos. E acresce que o modo como aqueles papéis são desempenhados tem de ser ajustado à situação concreta em causa. E esse ajuste é um desafio de flexibilidade e diplomacia.
4- Na sua opinião, o Provedor Institucional tem contribuído para melhorar o funcionamento e o bem-estar da comunidade académica? Em que aspetos destaca esse contributo?
Contribuir para melhorar o funcionamento e o bem-estar da comunidade académica é algo abstrato. Acredito que cada caso bem resolvido é, em si mesmo, um contributo para tal melhoria. Mesmo que, como tem acontecido em várias situações, o caso apreciado não seja suscetível de ser generalizado e de dar origem à emissão de uma recomendação que possa ser vista como uma manifestação mais concreta dos esperados contributos para melhorar o funcionamento e o bem-estar da comunidade académica.
5- No exercício destas funções, com que tipo de situações se depara com maior frequência?
Como já referi, não tenho sido confrontado com muitos casos. Torna-se, pois, difícil identificar um tipo de situação que seja mais frequente.
Mas não tenho dúvidas de que a questão subjacente a muitas das participações recebidas está relacionada com demoras na obtenção de respostas. Em alguns casos por falta de capacidade (recursos humanos especialmente) das unidades institucionais para lidar com a quantidade de processos em curso. Noutros casos porque a resposta é complicada ou difícil... Por outro lado, por vezes há a noção de que a resposta a dar não vai agradar. E ninguém gosta de dar más notícias...
Assim, em vários dos casos que me fizeram chegar, o meu papel foi essencialmente o de averiguar o porquê de uma resposta a um qualquer pedido ou o tratamento de um qualquer processo estar a demorar tanto tempo ou, pura e simplesmente, estar parado.
6- Quais são, atualmente, as suas maiores preocupações relativamente às pessoas da Universidade?
Os trabalhadores da UMinho, docentes, investigadores e trabalhadores técnicos, administrativos e de gestão, precisam de conhecer os meios que têm ao seu dispor para lidarem com quaisquer questões relacionadas com os seus direitos e as suas obrigações. Do que precisam de fazer para acautelar esses direitos e garantir o cumprimento das suas obrigações. E não é fácil.
A integração de novos trabalhadores precisa de algo mais do que apenas a socialização associada à entrada em funções. É necessária formação que facilite essa integração e que prepare os trabalhadores para o que os espera.
Acresce que vão proliferando as exigências e o escrutínio externo que obrigam a que as instituições criem mecanismos para lidar internamente com problemas tais como os do assédio e dos conflitos de interesse.
Por outro lado, a melhoria contínua precisa da participação de todos no sentido de serem resolvidos os eventuais problemas encontrados e de ser fomentada uma cultura de inovação que comprometa todos na evolução das práticas de trabalho.
Todos estes aspetos geram solicitações que vão emergir por diversos canais, criando confusão e dispersando a atenção dos trabalhadores.
Tem havido resposta institucional para estes problemas. Destacaria o lançamento do Portal da Transparência e do Portal das Aprendizagens (PAUM) como exemplos de iniciativas que vêm ajudar os trabalhadores a tomarem consciência dos seus direitos e obrigações e a perceberem como lidar com as dificuldades que possam enfrentar. Mas ainda há muito trabalho a fazer e muito caminho a percorrer.
7- O que mais o surpreendeu, positiva ou negativamente, no contacto direto com as pessoas e processos da UMinho enquanto Provedor?
Estou na UMinho há tempo suficiente para conhecer bem a instituição. Daí não esperava muitas surpresas. Mas há efetivamente algo que me surpreendeu. Tem a ver com o modo como as pessoas esperam ver os seus problemas ou as suas solicitações resolvidas.
É interessante perceber que as pessoas vêm a UMinho, a instituição onde trabalham, como um espaço “pequeno” onde qualquer questão poderá ser tratada de forma informal. Até porque conhecem quem sabem ter poder de decisão sobre o assunto e têm oportunidade de lhes apresentar, pessoal e informalmente, o seu problema ou aspiração. E talvez não se apercebam de que a dimensão da UMinho já não se compadece com esta informalidade. A melhoria da instituição já exige processos bem estabelecidos, canais de comunicação formal e outras manifestações organizacionais que permitem ultrapassar as dificuldades que surgem com a dimensão, com a rotatividade dos trabalhadores (sobretudo num período em que a UMinho lida com muitas aposentações) e com outros aspetos das instituições de grande dimensão.
Admito que haja a expectativa de que o Provedor Institucional seja um canal mais informal. E não deixa de ser verdade. Mas só faz sentido recorrer ao Provedor Institucional depois de esgotadas as vias “normais”, frequentemente associadas à burocracia.
8- Quais considera serem atualmente as prioridades ou desafios mais importantes para a atuação do Provedor Institucional?
A fase inicial do exercício de uma nova função é inevitavelmente uma fase de familiarização. E aqui destaca-se a faceta reativa do trabalho do Provedor Institucional, relacionada com o lidar com as participações recebidas e com o acompanhamento das propostas e das recomendações emitidas.
O desafio seguinte é o de passar à faceta proativa do trabalho do Provedor Institucional, aquela em que toma iniciativas que visam influenciar os responsáveis institucionais no sentido de contribuir para a resolução de questões que identificou como importantes.
Diria que estou nesse momento. Mencionei já alguns aspetos que correspondem a situações que julgo carecerem de atenção por parte dos dirigentes da UMinho, a todos os níveis. Está na altura de alargar a minha atuação no sentido de promover essas causas.
9- Numa altura em que a Universidade se prepara para a eleição de um novo reitor, que desafios considera prioritários para a nova liderança, do ponto de vista do Provedor Institucional?
Falar de desafios prioritários para o novo reitor e a sua equipa é algo de que, naturalmente, me vou abster. Não compete ao Provedor Institucional identificá-los. Considerando os debates recentes, por ocasião das eleições para o Conselho Geral, estou certo de que, na UMinho, existe uma noção aprofundada dos desafios que urge enfrentar, sejam eles externos ou internos à instituição.
Fico-me, pois, pelo reconhecimento de que a entrada em funções de um novo reitor envolve mudanças de monta na governação de uma universidade: novos responsáveis políticos, redistribuição de responsabilidades de gestão, etc. Será inevitável estabelecer novos entendimentos com esses responsáveis e perceber qual a melhor forma do Provedor Institucional exercer as suas funções.
10- Como avalia o percurso da UMinho ao longo dos seus 51 anos e que papel acredita que o Provedor pode ter no seu futuro?
Entrei para a UMinho, como estudante, em 1978. Acompanhei, por dentro, a UMinho em grande parte desse percurso. Vi a UMinho a crescer, a desenvolver-se, a alargar o seu âmbito de atuação académica, a estabelecer a reputação que tem atualmente, quer a nível nacional, quer no estrangeiro.
Internamente acompanhei o evoluir do leque de serviços que presta à sua comunidade e o seu processo de crescimento e amadurecimento. Por vezes enfrentando dificuldades, mas sempre com espírito combativo à procura de soluções para os problemas e procurando antecipar desafios.
No contexto de uma instituição que é ainda jovem, o Provedor Institucional pode contribuir sobretudo para a evolução das estruturas internas. As participações recebidas pelo Provedor Institucional ajudam a identificar lacunas nos serviços prestados e problemas que passam despercebidos aos mecanismos de melhoria contínua e de inovação organizacional. Lacunas e problemas que são naturalmente veiculados às unidades institucionais da UMinho relevantes.
11- Como avalia o trabalho desenvolvido pelos Serviços de Acção Social da UMinho (SASUM) e que importância lhe atribui para o bem-estar e qualidade de vida nos campi?
O bem-estar de uma instituição tem muitas dimensões cujo acompanhamento e promoção exigem competências variadas. Os SASUM desempenham um papel crucial em algumas dessas dimensões, papel esse que vejo desempenhado com zelo e proatividade. As atribuições e o âmbito de atuação dos SASUM estão sobretudo relacionados com os estudantes. Mas os trabalhadores da UMinho são também beneficiários da sua ação e utentes de alguns dos seus serviços. A importância dos SASUM para o bem-estar da comunidade UMinho e para a qualidade de vida nos campi é, pois, inegável.
Julgo que, do ponto de vista dos docentes, dos investigadores e dos trabalhadores técnicos, administrativos e de gestão, o trabalho mais visível dos SASUM incide nas dimensões da alimentação, desporto e cultura. Mas há outras dimensões que, frequentemente, passam despercebidas. Refiro, a título de exemplo, e porque acompanhei recentemente um evento da UMIND, o papel de liderança dos SASUM nas iniciativas de promoção da saúde mental no ensino superior que é de importância vital para o bem-estar da UMinho.
12- Que “marca” ou legado gostaria de deixar enquanto Provedor Institucional?
As funções do Provedor Institucional não são de natureza executiva. Assim, não correspondem a funções de que se espera que fique uma “marca” ou legado. Será com certeza algo mais discreto. Ficarei satisfeito se, quando terminar o desempenho de funções de Provedor Institucional, haja o reconhecimento de que a minha ação contribuiu para o bem-estar da UMinho e que, desse modo, a UMinho está bem preparada para enfrentar os desafios do futuro.
13- Qual é a sua visão sobre o atual panorama do ensino superior em Portugal e de que forma esse contexto influencia a sua função?
O ensino superior está neste momento sujeito a um conjunto de influências externas que permitem antever a necessidade de mudanças profundas nas instituições de ensino superior. Note-se que estas influências não são exclusivas do nosso país. Aliás, vendo o que está a acontecer noutros países, podemos antecipar o que, dentro de algum tempo, vamos sentir também em Portugal. Os ajustes àquelas influências darão lugar, inevitavelmente, a ajustes internos: reformulação das suas atribuições e responsabilidades e, consequentemente, mudanças a nível da sua estrutura, das funções dos membros da UMinho e dos seus direitos e obrigações. As atribuições do Provedor Institucional poderão também necessitar de revisão por forma a estar preparado para lidar com novos tipos de solicitações.
Neste momento, a consciência de que atravessamos tempos de grande incerteza exige do Provedor Institucional uma atenção especial para poder discernir em que medida é que o impacto daquelas influências está já a afetar a comunidade da UMinho no que ao seu bem-estar diz respeito.
14- Como pode uma pessoa que necessite da atenção ou ajuda do Provedor Institucional entrar em contacto consigo?
Numa altura em que somos confrontados com demasiadas formas de interação e demasiados canais de comunicação, apontaria como meio preferencial o Portal da Transparência da UMinho (https://www.uminho.pt/PT/Transparencia).
A entrada pelo Portal da Transparência tem a vantagem de oferecer uma visão abrangente dos vários canais ao dispor dos membros da comunidade da UMinho para a apresentação das suas preocupações e reclamações. E permite chegar facilmente à página do Provedor Institucional, no sítio Web da UMinho, onde é possível encontrar informação de contacto mais específica, seja para um encontro presencial, seja para um contacto telefónico ou por correio eletrónico.
15- Que mensagem gostaria de deixar à comunidade académica sobre o papel da UMinho e do Provedor Institucional num mundo em constante mudança?
Diria que a UMinho é um bom exemplo de uma universidade, uma instituição em que o conhecimento é a chave para enfrentar com sucesso as exigências da mudança. Criando e disseminando o conhecimento, mas também aplicando-o internamente para se recriar na medida do necessário. Em tal contexto, o papel do Provedor Institucional é discreto. É o de ajudar a instituição a aperceber-se, a ficar ciente, dos eventuais desajustes entre o quadro regulamentar e de operação a que a instituição está sujeita e as condições para que a comunidade UMinho “esteja bem” no desempenho das
Atualizado a 20-11-2025 09:00
