Investigação e Inovação na UMinho: Tecnologia que se veste
Ana Marques ⠿ 30-10-2025 14:00
UMinho cria exoesqueleto leve e inteligente para apoiar a mobilidade.
Um exoesqueleto que se veste como uma peça de roupa, é leve, flexível e ajusta-se aos movimentos do utilizador — este é o ambicioso projeto que está a nascer nos laboratórios da Universidade do Minho. Desenvolvido pelo BiRDLab – UMinho Biomedical Robotic Devices Laboratory, este dispositivo pretende revolucionar o apoio à mobilidade em contexto laboral e clínico.
Promover a mobilidade, reduzir o esforço físico e melhorar a qualidade de vida de quem enfrenta limitações motoras ou trabalha em ambientes exigentes. É este o objetivo do novo exoesqueleto que está a ser desenvolvido por uma equipa multidisciplinar da Universidade do Minho, que alia tecnologia vestível, materiais inteligentes e inteligência artificial. Em entrevista, os investigadores, na pessoa da Professora Cristina Santos, explicam as motivações, desafios e ambições de um projeto que pretende transformar o modo como interagimos com os dispositivos de assistência física.
Como surgiu a ideia deste projeto?
O nosso laboratório (BiRDLab – Uminho Biomedical Robotic Devices Laboratory) tem uma longa história de investigação e desenvolvimento de estratégias para a reabilitação de problemas de marcha, equilíbrio, etc., muito interligadas com a área da saúde, em estreita colaboração com hospitais locais, como o Hospital de Braga, Hospital de Guimarães, através do Centro Clínico Académico (2CA Braga), e o Campus Neurológico Sénior Braga (CNS). Nos últimos anos, temos transferido este conhecimento para o ambiente industrial, visando a redução de lesões no local de trabalho, através de projetos com empresas como Bosch e Continental.
A principal motivação para este projeto surge da necessidade crescente de soluções eficazes para o envelhecimento da população e os desafios associados à mobilidade e à reabilitação. O aumento das condições neurológicas e físicas que afetam a mobilidade e o equilíbrio exige soluções inovadoras, sobretudo em assistência à saúde e reabilitação e também saúde ocupacional, dado o crescente envelhecimento da população na Europa. Esta situação tem gerado uma procura crescente por soluções de reabilitação que sejam custo-efetivas e adaptáveis às necessidades de cada indivíduo. A investigação em dispositivos vestíveis como exoesqueletos ativos tem sido uma área de vanguarda, focada em transferir a força gerada por motores externos para o utilizador, com grande impacto tanto na reabilitação clínica quanto na saúde ocupacional. Ao longo de 10 anos, o nosso laboratório tem desenvolvido exoesqueletos inteligentes, e com essa experiência, identificamos as limitações atuais destes dispositivos em termos de usabilidade. Uma das principais desvantagens é o peso e o desconforto dos exoesqueletos existentes, tornando-os inadequados para uso prolongado, seja no contexto laboral ou domiciliário.
Assim, a ideia de criar um exoesqueleto personalizado e intuitivo surgiu com o objetivo de integrar a tecnologia vestível de forma a promover a mobilidade e independência, especialmente para aqueles com limitações físicas.
A nossa intenção foi explorar um design que não fosse apenas funcional, mas também extremamente confortável e intuitivo, com materiais que imitam o vestuário diário. O uso de materiais têxteis e inteligentes para gerar forças suficientes para auxiliar nas tarefas do dia a dia, sem ser excessivamente pesado ou desconfortável, foi um passo crucial.
Que problema concreto procuram resolver com este exoesqueleto?
O objetivo principal é ajudar o utilizador em diferentes tipos de terreno e em tarefas que exijam esforço físico, como o transporte de cargas, ao fornecer a energia necessária, mas de forma a ser o mais natural e transparente possível. O dispositivo visa aumentar as capacidades físicas do utilizador, especialmente em situações que exijam força extra, e tornar-se invisível nos momentos em que não for necessário, sem interferir nas tarefas diárias do utilizador.
Este projeto foi desenvolvido especificamente no âmbito de um projeto para o ambiente laboral, com o objetivo de aumentar a capacidade física dos trabalhadores e reduzir o stress físico sobre o sistema musculoesquelético, minimizando assim o risco de lesões. Ao proporcionar assistência ativa e transparente, o exoesqueleto visa melhorar a qualidade de vida e a autonomia dos trabalhadores, permitindo-lhes realizar atividades repetitivas e fisicamente exigentes com menos esforço, sem recorrer a dispositivos pesados ou complicados. O exoesqueleto utiliza materiais inteligentes, que se adaptam automaticamente ao movimento do utilizador, oferecendo uma solução leve e flexível, para que o utilizador possa se concentrar nas suas tarefas, sem desconforto ou limitações.
O que motivou a aposta em materiais inteligentes e tecidos?
A aposta em materiais inteligentes e tecidos surgiu da necessidade de criar um exoesqueleto funcional que fosse, ao mesmo tempo, confortável e adaptável ao corpo humano. A ideia de usar materiais têxteis para criar uma peça de vestuário que não fosse invasiva, mas que ao mesmo tempo conseguisse gerar forças suficientes para ajudar o utilizador nas suas atividades físicas, foi um dos pontos centrais deste projeto.
A escolha dos materiais inteligentes, posicionados em locais estratégicos do vestuário, permite-nos criar um exoesqueleto mais leve, mas igualmente eficiente em gerar a assistência necessária. Estes materiais têm a capacidade de gerar força com pouco volume e peso, o que melhora a experiência do utilizador, permitindo-lhe usar o dispositivo por longos períodos sem desconforto. Ao integrar sensores e sistemas de controlo inteligentes, conseguimos personalizar a assistência que cada utilizador precisa, melhorando a qualidade de vida e a eficiência do dispositivo.
Em que fase de desenvolvimento se encontra o projeto atualmente?
Atualmente, o projeto encontra-se numa fase inicial de desenvolvimento, onde estamos a levantar os requisitos e os principais desafios que precisam ser resolvidos. Esta fase envolve uma investigação detalhada sobre o comportamento dos materiais inteligentes e as possibilidades de controlo do exoesqueleto.
A nossa intenção é desenvolver um protótipo que possa ser validado em condições reais. Estamos a explorar soluções inovadoras para incorporar inteligência artificial, que permitirá que o exoesqueleto se ajuste dinamicamente às intenções do utilizador, criando uma parceria cognitiva entre o dispositivo e o utilizador. Esse desenvolvimento é essencial para garantir que o dispositivo seja intuitivo e fácil de usar em diversos contextos.
Quais são os maiores desafios técnicos ou científicos que enfrentam?
O principal desafio deste projeto é a sua natureza inovadora e vanguardista, o que torna a pesquisa fundamental para o desenvolvimento de novas soluções. Há uma escassez de literatura sobre materiais inteligentes ativos integrados em têxteis, especialmente para aplicações de assistência personalizada à saúde humana. A maioria da pesquisa existente concentra-se em áreas como a aeronáutica ou a indústria automóvel, o que torna a transferência de conhecimento para o setor da saúde uma tarefa complexa.
A transferência de tecnologias de outras áreas, como a aeronáutica ou automóvel, para a saúde humana é complexa. Isso exige um elevado grau de criatividade e uma abordagem multidisciplinar, envolvendo áreas como engenharia de materiais, eletrónica, biomecânica e design têxtil, para criar um dispositivo que seja adaptável e eficaz para diferentes utilizadores.
Este projeto está a ser desenvolvido por uma equipa multidisciplinar? Quem está envolvido?
Sim, este projeto está a ser desenvolvido por uma equipa altamente multidisciplinar. O entendimento da interação do utilizador com o dispositivo exige conhecimentos em áreas como biomecânica, engenharia mecânica, design têxtil, e engenharia eletrónica. A equipa inclui investigadores dos departamentos de Eletrónica Industrial, Polímeros, Têxtil e Produção e Sistemas da Universidade do Minho, cobrindo áreas como robótica, modelação computacional e design de materiais. Estão envolvidos investigadores como a professora Cristina Manuela Peixoto Santos, os professores João Miguel Amorim Novais Costa Nóbrega e André Catarino, as professoras Ana Rita de Amorim Novais da Costa Nóbrega e Ana Maria Moreira Ferreira Rocha e a investigadora Joana Sofia Campos Figueiredo. juntamente com doutorandos e alunos de mestrado, como Ricardo Andrade e Sara Monteiro.
A interação entre estas áreas de conhecimento tem sido fundamental para o desenvolvimento de um exoesqueleto inteligente que combine as qualidades do ser humano com a potência das máquinas. Esta colaboração tem sido essencial para criar um dispositivo verdadeiramente inovador e personalizado.
O que torna este exoesqueleto diferente de outros já existentes? Porque é inovador?
O exoesqueleto combina a capacidade de gerar forças com a leveza e flexibilidade dos materiais inteligentes, o que permite uma assistência ativa e transparente. O principal objetivo é permitir que o dispositivo se integre perfeitamente ao corpo do utilizador, agindo de forma natural, sem ser percebido como um fardo. Além disso, sensores integrados combinados com algoritmos de inteligência artificial, percebem as intenções do utilizador e a suas necessidades motoras, e ajustam automaticamente a assistência necessária, adaptando-se ao movimento de forma personalizada. A integração de IA ajuda a melhorar a previsão de movimentos, permitindo um controle mais fluido e eficiente.
Este design intuitivo e adaptativo reduz a necessidade de ajustamentos constantes e torna o dispositivo invisível quando não está a ser utilizado, oferecendo uma experiência de uso contínua, sem desconforto. O objetivo é que o exoesqueleto não seja percebido como um dispositivo extrínseco, mas sim como uma extensão natural do corpo humano, oferecendo a mobilidade necessária sem ser intrusivo.
Qual poderá ser o impacto prático deste projeto — por exemplo, em reabilitação ou acessibilidade?
O impacto último do projeto é desenvolver um dispositivo capaz de ser utilizado por um tempo prolongado (um turno de 8 horas ou para atividades diárias) com impacto mínimo no conforto e independência do utilizador, mas eficaz na sua ação quando necessária. Ultimamente, um dispositivo invisível quando inativo e eficaz quando ativo. Em termos de aplicação, esta tecnologia inicial está a ser projetada para aplicação na saúde ocupacional de trabalhadores, podendo ser explorada em outras áreas da saúde.
Já houve algum teste com utilizadores? Que feedback receberam?
O projeto está ainda em fase de desenvolvimento de um protótipo inicial, envolvendo testes de bancada iniciais dos materiais inteligentes, pelo que ainda não foram realizados testes com utilizadores.
Qual o próximo passo na evolução do projeto?
O próximo passo será desenvolver, nos próximos 2 anos, um protótipo inicial que possa ser testado em testes de bancada, de forma a validar os conceitos iniciais do seu design.
Já existem planos para parcerias com empresas ou instituições de saúde?
O nosso laboratório tem uma rica rede de ligações com instituições de saúde, de cuidados prolongados, como lares, e com empresas. Com estas instituições já desenvolvemos projetos ou fizemos testes com os seus utilizadores (e.g. trabalhadores em ambiente industrial, idosos em lares e doentes em hospitais). Em concreto neste projeto temos parceria com uma empresa conceituada de design têxtil, que representa um contributo valioso para maximizar a usabilidade do protótipo do exoesqueleto.
Como esperam ver este exoesqueleto a ser aplicado na sociedade?
O objetivo principal é que este exoesqueleto seja utilizado em ambiente industrial durante um turno de trabalho ou em atividades de dia a dia por parte do utilizador, seja no domicílio ou numa instituição pública.
Há alguma experiência marcante que queira partilhar?
A primeira experiência marcante deste projeto foi ver a sua candidatura a financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia ser aprovada.
Que conselho daria a outros investigadores que queiram iniciar projetos inovadores?
O fundamental em investigação é ter criatividade para encontrar novas soluções e muita resiliência no trabalho de dia a dia. É fundamental não ter medo de falhar nem de pensar fora da caixa. E se falhar,… tem que se continuar a tentar.
Atualizado a 30-10-2025 14:00
